domingo, 31 de janeiro de 2016

Diário da Chapada Diamantina – 4. Trilha ao Canyon das Sete Quedas, Cachoeira do Funil e das Andorinhas


Para esse trajeto, a partir de Mucugê,  percorrem-se 2 km de carro até o inicio da trilha de 7 km que dá acesso à cachoeira do Funil.  O percurso tem grau de dificuldade moderado, com alguns trechos mais íngremes e  passagens em pequenos túneis de pedras. O caminho é todo pontuado por vestígios de garimpo artesanal ainda frequente na região. Deparamos com suas tocas feitas em pequenas grutas nas pedras que lhes servem de moradias, algumas com vasilhas, fogão e cama  improvisados no com pedras e madeira. Éramos guiados por Luisão, caminheiro experiente da Chapada, uma figura rara,  que conhece a história e a geografia do local como a palma da mão.



Trilha com linda  vegetação 



Trajeto pelo canyon 
... das Sete Cachoeiras



Gruta que serve de morada de garimpeiros
Cascalhos do garimpo

Utensílios em gruta de garimpeiro
Foto: M. C. P. 


 A vegetação da trilha é típica de cerrado e dos  campos de altitude, com uma flora exuberante. Além de orquídeas, trepadeiras, clúseas e bromélias, entre outras plantas de grande beleza, nesse percurso deparei com uma das cenas mais impressionantes que já observei na natureza: uma touceira de crossandra, uma planta carnívora que nasce no meio da rocha. Entremeada com sempre-vivas formou um canteiro espetacular. Se eu não tivesse visto mais nada de interessante nessa viagem, somente aquele conjunto já teria valido o deslocamento de mais de 1.500 km para chegar à Chapada Diamantina.
Crossandra: planta carnívora
nativa da Chapada
Lago da Cachoeira do funil
Foto: M. C. P.
Depois de cerca de uma hora de caminhada, a parte final do acesso à Cachoeira do Funil é feito descendo-se uma pequeno trecho em pedras. Depois ou contornam-se as pedras pelas laterais até a queda d´água, ou mergulha-se e segue nadando. A cachoeira é pequena, porém muito bonita e cai dentro do Canyon das Sete quedas.
Descansarmos um pouco da caminhada e usufruirmos a beleza e o frescor das águas limpas. Em seguida trilhamos pelas laterais do leito do rio, dentro do canyon. No percurso passa-se por sete cachoeiras, razão do nome do local. Depois de caminhar por cerca de 40 minutos dentro do canyon, alcança-se a Cachoeira das Andorinhas, uma queda d´água maior, porém devido às secas, com pouca água. Nessa altura, começou a chover e o guia achou melhor que saíssemos  dali, devido ao perigo de uma cheia súbita em função de uma tempestade maior na cabeceira. Trilheiros prudentes aprendem rápido que se um trajeto exige a presença de guia é porque representa risco de ser feito sem orientação.

Retorno debaixo de chuva
Foto: M. C. P.
Retornamos debaixo de chuva, obviamente  por outro caminho já que havíamos caminhado rio abaixo. A trilha de retorno possui praticamente as mesmas atrações da de ida, porém o grau de dificuldade é um pouco maior, porque há mais subidas. Isso foi agravado pelo fato de que  a volta foi feita debaixo de chuva, o que não diminuiu em nada o prazer da caminhada. 

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

3. Segundo Dia na Chapada

 

Primeiro poço da Cachoeira
do Tiburtino


Meus companheiros de viagem seguiram nesse dia para o Poço Azul e o Poço Encantado. As atrações localizam-se, respectivamente a 64 km e 45 km de Mucugê, nos municípios de Nova Redenção e Itaetê. O animador, para quem aprecia belezas naturais e não gosta de fazer trilhas e caminhadas, é que é possível ir de carro até os dois pontos turísticos.O Poço Azul fica dento de uma gruta, sendo uma das belezas mais marcantes da Chapada, com águas extremamente limpas e que toram-se especialmente bonitas com o reflexo do sol. Em uma caverna no local, foi encontrado o fóssil de uma preguiça gigante (animal que pesava cerca de cinco toneladas) e que, segundo estudos, é um dos maiores mamífero da pré-história; o bicho teria vivido na Era do Gelo. Esse importante achado histórico arqueológico  foi fruto dos trabalhos da equipe do Museu de Ciências Naturais da PUC MG - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. O Poço Azul fica em área particular, fora dos limites do Parque Nacional e nele faz-se flutuação, porém com o período de permanência limitado a 20 minutos durante a alta temporada.O Poço encantado é,segundo os guias de orientação da Chapada, atração estrelada. Suas águas cristalinas possuem uma profundidade aproximada de 60 m. Com vistas à preservação do local, a flutuação não é permitida e o prazo de permanência dentro da caverna é limitado a 15 minutos. Entre dez da manhã e meio dia e meia, os raios de sol atravessam as pedras e oferecem um espetáculo de rara beleza.  

Meus companheiros de viagem voltaram maravilhados, especialmente minha filha que é bióloga e se esbaldou nadando nas mesmas águas onde foi encontrado o fóssil da preguiça gigante. No entanto, ficaram bastante decepcionados por perceber que as duas atrações encontram-se fora dos limites do Parque Nacional e que são explorados por particulares, apesar de alguns cuidados terem sido observados com rigor, como o tempo de permanência nas cavernas.Flutuações e passeios dentro de grutas não são brincadeiras que gosto muito, por isso, preferi visitar o  Projeto Sempre Viva, Museu do Garimpo, Trilha e Cachoeira do Tiburtino, localizados no Parque Municipal de Mucugê. O acesso pode ser feito de carro até a entrada das atrações, que ficam a quatro quilômetros da cidade.

Museu do Garimpo

O Museu do Garimpo é uma linda construção em pedras incrustada entre rochas e grutas, com acervo bem interessante. Ao seu lado, encontra-se um pequeno trecho da Estrada Real, com pouca sinalização e precárias condições de preservação. Como em praticamente todo o Brasil, os primeiros habitantes de Mucugê foram os índios; no século XVII chegaram os portugueses, e a descoberta de ouro e diamantes na região deu-se por volta de 1840.

O Projeto Sempre Viva foi criado para proteger plantas conhecidas como sempre vivas, espécies de grande beleza, que ocorrem fartamente na região da Chapada,  mas que chegaram a ser ameaçadas de extinção em decorrência da exploração desordenada. Suas flores que abrem e fecham de acordo com o clima, possuem elevado valor comercial e foram amplamente comercializadas até meados do século passado. Na sede do projeto encontram-se expostos diversos arranjos e composições com as plantas, inclusive um buquê feito em 1958 que encontra-se intacto.

Sempre-vivas brotam
entre as pedras

Orquídeas no caminho

O acesso à Cachoeira do Tiburtino  é feito a partir do Museu e passando-se pela cachoeira da Piabinha. O percurso, por trilha de três quilômetros, é facilmente feito em cerca de meia hora. A trilha é plana, bastante bonita e bem sinalizada. Sendo uma das poucas da região que podem ser feitas sem obrigatoriamente estar acompanhado de guia, foi uma das que mais aproveitei, pois pude parar para apreciar várias vezes. A trilha merece essa calma, pois é pontuada de plantas lindíssimas, especialmente orquídeas e bromélias.
A sequência de diversas quedas d’água e poços que constituem o que é chamado de cachoeira do Tiburtino forma um espetáculo encantador. As águas são extremamente limpas e a sua temperatura é morninha e bastante agradável.Pode-se percorrer um trajeto considerável, entre pedras com diversas piscinas naturais propícias ao banho.   Nesse passeio fiz amigos e com alguns deles retornei de carona.
Sequência de poços
Ao escurecer, plena de tanta beleza, revigorada e disposta cheguei à cidade. Ainda me animei a comprar um vinho e fazer uma macarronada para apreciar com  meus companheiros que somente retornaram com a noite bem avançada.



terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Diário da Chapada Diamantina – 2. Trilha e visita à Cachoeira do Buracão

Logo cedo estávamos na agência de turismo que havíamos procurado na noite anterior. Rapidamente descobrimos que cumprir horários não era bem a praia das pessoas que trabalhavam no local. A saída que estava programada para ser em torno de oito da manhã, somente aconteceu uma hora e meia depois. O destino: Cachoeira do buracão, uma das mais famosas da chapada, que fica a cerca de três horas da cidade de Mucugê, onde estávamos  hospedados.
Mucugê na noite da nossa chegada
Seguimos com um guia até o município de Ibicoara, onde outro guia incorporou-se ao grupo que além de nós quatro, contava com mais dois casais. Íamos em dois carros. O percurso até o local, (já tínhamos sido avisados) seria bastante fragmentado. Primeiro percorremos uma hora (cerca de 70km) em estrada asfaltada, até o município de Ibicoara. Depois mais uma hora (em torno de 30 km) em estrada de chão em condições precárias e com muita, muita poeira. Entramos no Parque Natural Municipal do Espalhado. O calor era grande. Tivemos que nos proteger contra o sol escaldante. Daí seguimos a pé por mais uma hora, até a descida que dá acesso ao canyon e à cachoeira.

Início da trilha

 A trilha, pra mim, é quase sempre o melhor dessas aventuras. Adoro descobrir e admirar cada planta, cada acidente geográfico, ouvir os bichos e escutar as histórias dos guias. Atravessamos pequenos  rios, alguns com pinguelas, outros caminhando sobre as águas rasas. O percurso é todo pontuado por uma vegetação deslumbrante. Avistamos plantas das mais variadas espécies. 
Bromélia raio de sol, um dos
símbolos da chapada
Orquídeas em todo o caminho
Flores como orquídeas e bromélias em profusão; frutíferas como a maçaranduba, o mocozinho e a mangaba que eu não conhecia. Caminhamos a pé por cerca de uma hora, com pouca dificuldade.

Rainha da Serra, trepadeira comum nos campos da chapada

 Aproximando-se do final da trilha avista-se o lago maravilhoso. Trata-se da parte alta da cachoeira, onde o rio caprichosamente empoça-se entre pedras, antes de entrar no canyon e despencar os setenta metros  que formam a queda d água. Em seguida há um bom trecho de descida no meio de pedras, em trilha irregular e difícil. Em duas partes, há escada de madeira, dada a impossibilidade de acesso  pelas pedras. Chega-se ao interior de um canyon e já se vê imediatamente uma pequena cachoeira, a do mato verde. Do lado contrário, vislumbra-se um enorme lago de águas escuras e ouve-se o barulho forte das águas da cachoeira do buracão, que encontra-se a uma distância de cerca de 50  metros. Para ter acesso a ela é preciso atirar-se às águas e nadar contra a correnteza por cerca de 15 a 20 minutos, a depender do preparo físico de cada um. Nesse ponto me acovardei. Não tive coragem para tanto. Descansei  alguns minutos e, mesmo contrariando meu grupo, que me incentivava a prosseguir,  retornei à parte alta da cachoeira, onde está a lagoa maravilhosa.
Aproveitei do meu jeito, fotografando plantas e animais, relaxando e contemplando, quase sozinha, no meio da matinha que circunda o local. Mergulhei no lagoa de águas mornas e escuras, cercado por pedras e de uma bonita vegetação. Ouvia e até via as pessoas lá embaixo.
Depois fiquei sabendo que a lagoa maravilhosa é chamada pelos guias locais e pelos mais audaciosos de lagoa dos frouxos. Pode ser, mas esses também conseguem inesquecíveis momentos; com menos adrenalina, pode ser, mas repletos de possibilidades de contemplação com mais calma, sem a obrigação de vencer desafios a todos os momentos.
Mergulho na lagoa maravilhosa, a parte alta da cachoeira do buracão
Descobri que, assim como para o mineiro, tudo é pertinho, logo ali, para o baiano tudo é fácil, facinho e não tem perigo. Antes de sair para a caminhada perguntei aos guias e ao proprietário da agência sobre esse último pedaço do trajeto, o que envolvia a flutuação e o acesso à cachoeira dentro do canyon. Todos afirmaram que era facílimo, com o que definitivamente não concordo. Na verdade, não se trata de flutuação, mas sim de um trecho em que é preciso nadar na direção contrária à correnteza das águas. É bem verdade que isso é feito com equipamentos adequados e com o acompanhamento de guias. No entanto, no meu caso que não sou muito amiga de grutas e lugares fechados, a situação é um pouco mais complicada.
Mesmo não tendo adentrado a cachoeira do buracão, foi um passeio maravilhoso. A trilha é linda e a lagoa maravilhosa, como o próprio nome diz é algo deslumbrante.

Retornamos no final da tarde e ainda fizemos uma pequena parada no mirante da pedra redonda, próximo a Ibicoara. Era quase noite e estávamos exaustos. Abrimos com chave de ouro a estadia na chapada. No dia seguinte nova programação. Mas isso conto em outra postagem. Até lá.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Diário da Chapada Diamantina - 1. A viagem de Ida

Há muito sonhava com esta viagem e a fiz de carro, como desejava. Saímos de Viçosa com destino a Mucugê na Chapada Diamantina, Bahia. Viajávamos quatro pessoas, com duas delas alternando a direção do veículo. Portanto, dessa vez, não tive sequer a obrigação de ser copiloto e consultar placas, guaias e mapas. Viajei confortavelmente no banco de trás e pude apreciar as estradas e seus entornos, como gosto.
Percorremos aproximadamente 1.500 km em dois dias, com parada em Montes Claros. Nessa cidade, o calor era quase insuportável e chegamos a duvidar de nossa escolha por viajar para a região, nesse período tão quente. Ficamos apreensivos se daríamos conta de fazer trilhas e longas caminhadas, quase obrigatórias na Chapada, debaixo daquele sol escaldante.
A viagem, por si mesma, já é um atrativo. Acho lindo o norte de Minas e o sertão baiano. A todo instante, os retratos tão magnificamente descritos por Guimarães Rosa saltam aos nossos olhos. A vegetação típica do cerrado e da caatinga, com resquícios de mata atlântica, a topografia plana e os montes em forma de tabuleiro compõem,  juntamente com as veredas rodeadas de buritis, um cenário muito característico.
Veredas e Buritis
Avistamos, logo na divisa entre Minas e Bahia, torres de geração de energia eólica, a grande maioria na região de Guanambi. Claro que não deu para contar, mas foram muitas. As primeiras, vimos de longe. O que nos pareceu pequeno  à distância, de perto eram gigantescas torres com enormes hélices prateadas. Inevitável recordar D. Quixote. Confortador perceber que, apesar de tudo, estamos construindo, aos poucos, um novo Brasil, que investe em geração de energia limpa.
Torres de geração de energia eólica
A estrada que transitávamos seguiu paralela à estrada de ferro Leste-Oeste, ainda inacabada. Visualizá-la encheu meu coração de expectativa de que poderemos um dia ter estradas menos cheias de caminhões de carga e o transporte pesado mais barato e menos poluidor. 
Já no estado da Bahia, pouco depois da região de Tanhaçu, uma cidadezinha encravada no sertão baiano e que fazia um calor insuportável, começamos a percorrer uma região de serra e avistar enormes montanhas, muitas de pedras e com o característico formato de tabuleiro. Ao contrário dos morros de Minas que são, no geral, cobertos de vegetação e com o cume arredondado, os montes da Chapada Diamantina são quase todos de pedra, com pouca vegetação na parte média e alta e possuem essa configuração. Para a nossa alegria, o clima, depois de Ituaçu, uma simpática cidadezinha toda arborizada com espécies frutíferas, foi se tornando mais ameno.
Saco de Bode
Nas proximidades da Chapada Diamantina, vimos, desolados, alguns focos de incêndio  cobrindo de fumaça negra boa parte do horizonte.
Enfim, chegamos a Mucugê por volta de seis da tarde (lembrando que na Bahia não é adotado o horário de verão).  A temperatura estava em torno de 21 graus, confirmando as informações que havíamos obtido antes de partir, de que nesse local o clima era ameno.
Pequizeiro na estrada
Já era quase noite, mas saímos para jantar e de imediato nos encantamos. Em estilo colonial, porém sem a riqueza de Ouro Preto e Diamantina, a cidade nos lembrou Tiradentes, com seu calçamento em pedra e suas pequenas casas seculares.
A Praça dos Garimpeiros, a principal da cidade,  estava toda decorada para o Natal e repleta de turistas. Era um cenário animador.
Estávamos bastante cansados, mas felizes por termos feito uma viagem sem qualquer intercorrência adversa. Ainda naquela noite procuramos uma agência  de turismo e programamos nosso primeiro passeio para o dia seguinte.
No próximo post contarei sobre as aventuras do nosso primeiro dia na Chapada diamantina, um passeio para ficar para sempre na memória.

Vista da Chapada Diamantina