sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Literatura, História e Samba: Coisas Boas de se Falar.


A arte diz tanto sobre o seu tempo...
Assim como em diversas outras manifestações artísticas, o mesmo ocorre com a música, que fala muito sobre o local e o tempo em que é feita. O livro UMA HISTÓRIA DO SAMBA: as origens, de Lira Neto, é “um prato cheio” nesse sentido. Conta não somente a trajetória que abrange  um período do ritmo símbolo do Brasil, mas diz também  sobre como viviam os afro descendentes que habitaram o Rio de Janeiro, logo após a abolição da escravatura.
O livro foi escrito a partir de uma robusta pesquisa em arquivos variados, notadamente em jornais, rádios e gravadoras.  Esse é o primeiro volume (e o único já publicado), de uma trilogia, em que o autor pretende fazer um relato da história do samba, a partir do final do século XIX e até os dias atuais. Nesse volume de estreia, além da descrição elegante, e da prosa esmerada, constam as letras de alguns sambinhas históricos como Pelo Telefone, Batuque na Cozinha e Jura, entre outros. Um bom acervo de fotos enriquece, ainda mais, esse livro indispensável aos amantes do ritmo que representa tão bem nosso país.

O mais genuíno dos gêneros musicais brasileiros guarda em suas origens  uma  mistura de ritmos e tradições que atravessam a história. Evoluiu a partir da incorporação de batuques praticados por africanos que vieram como escravos para o Brasil e seus descendentes. Consolidou-se com a inclusão de movimentos típicos de rituais religiosos que se utilizavam de música e dança e continham também lutas, como a capoeira, por exemplo.  Nesses eventos os negros expunham seu gingado e malemolência, exibindo ágeis movimentos de corpo, ao som de ritmos de batidas fortes, frequentemente inebriados por doses da cachaça brasileira. A esses batuques incorporaram-se elementos de outros ritmos musicais como a polca e o calango, suscitando o surgimento da cadência do inigualável samba brasileiro.  

O samba, como disse lindamente João do Vale “é a voz do povo”. Tão forte na cultura nacional, que  praticamente todos os grandes compositores do país, passeiam por ele em algum momento de suas carreiras.
Embora o samba não constitua a maior parte do que produz, Chico Buarque, esse  grande  talento da música brasileira, quando se lança nesse ritmo costuma apresentar composições magistrais. Em seu álbum lançado no ano passado, como vem fazendo repetidamente ao longo de sua rica trajetória, oferece oportunidades de se pensar o país, com a maestria de sempre. Nele  fala da perversa condição social de grande parte do país e conta o que acontece “quando pinta em Copacabana” a caravana  dos indesejados, vindos das favelas, da periferia do Rio de Janeiro.  
“Com negros torsos nus deixam em polvorosa
A gente ordeira e virtuosa que apela
Pra polícia despachar de volta
O populacho pra favela...”
Por essas e por outras, o tão bem nascido compositor, originário de uma família de intelectuais respeitados, acaba sendo detestado e caluniado pela direita e pelos conservadores de plantão. Por décadas, Chico vem renovando-se ano após ano. Em as Caravanas, essa precioso samba com uma pegadinha de funk, o músico, arrojado como sempre, abre-se mais uma vez para o novo. Ao contrário dos ranzinzas de plantão, enriquece e atualiza seu repertório sempre coerente com seu tempo, ao incluir a participação de um jovem funkeiro na música que dá título ao álbum.
O samba em uma de suas mais conhecidas manifestações, os desfiles das Escolas de Samba, especialmente os do Rio de janeiro, vem fazendo críticas sociais e oferecendo pontos de reflexão de enorme riqueza, como o que ocorreu neste ano com a Unidos do Tuiuti. Ninguém fala melhor sobre o Brasil e nossas mazelas, do que o samba. O sofrimento do povo encontra nele, frequentemente, seu mais vigoroso eco. Como se expressou Caetano Veloso: "o samba é filho da dor". 
Falar de leitura e de samba é assim. Algo que não tem fim. Como registrou Paulinho da Viola, outro dos grandes  na categoria gente boa de samba : “tanta coisa que eu tinha a dizer, Mas eu sumi na poeira das ruas...”

Ref.: UMA HISTÓRIA DO SAMBA: as origens. Lira Neto. São Paulo:
 Companhia das Letras, 2017.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

POESIA NÃO FAZ MAL


Há bastante tempo não me aventuro a jogar aqui meus versos rudes. Ando lendo muito Saramago e nessas ocasiões costumamos ficar desencorajados. Todavia a manhã de hoje não queria outra coisa que não fosse: poesia.



Ave Maria!
Essa chuva que não passa.

Mesmo que a rima me peça
Não usarei certa palavra!

Periga vir outras mazelas
Ventania forte,
Barranco que cai.
Enchentes destruindo arrozais.

Água por sobre as pontes.
Meu lugarejo ilhado.

Senhor, que não venha mais lama tóxica!
Despejada pela barragem
Mal feita dos poderosos.
Carregando vidas, casas e igrejas  
Destes que precisam de Deus.