segunda-feira, 30 de maio de 2022

O Riso de Medusa

 


             Escreva-te: é preciso que seu corpo se faça ouvir”. *



 Se eu não fizer poesia

O que faço com meu dia?

Com a angústia da Insônia,

Tendo sonhos recorrentes?

Intestino preso, refluxo,

Desassossego de correr mundo

O que faço com tanto medo?

 

Tenho que escolher destino

Para tudo que entorna de mim,

Essa vontade que transborda

Feito tempestade de restos

Trecos, pedaços, fragmentos

O que faço se sai grito,

Urro escrito, erro e tropeço?

 

Escrevo porque me assusto.

Com cólicas, sangue periódico.

Tantos medos desconhecidos.

Barrigão de oito meses

Com uma criança sentada,

Peito inchado, leite empedrado.

Há jeito para tudo isso?

 

Invento fazer um bordado

Sem risco, sem prévio traçado.                                               

Abraço o perigo da falta de ensaio   

Para ter o silêncio do corpo quebrado                                        

Vou conviver com o ritmo precário,

Encarar a dança de improviso.

E aceitar o fracasso sentenciado.


Se ando atrás de uma rima

É pra sossegar essa menina

Que  habita meu corpo cansado.

Que quer dança sem ter ritmo

E faz passos desengonçados.

Lançando escrita por linhas tortas

- Palavra inúteis, Letras mortas.


  

Livros mudam a vida

*  Helene Cixous. Em O Riso da Medusa. Editora Bazar do Tempo, 2022. P. 51