quarta-feira, 9 de junho de 2021

GUERRA PERDIDA

 Há anos famílias com pacientes portadores de doenças para as quais já ficou comprovada a eficácia do uso  da cannabis medicinal tem acompanhado desoladas o adiamento da legislação que regulamenta a produção, o processamento e o uso desse recurso, no Brasil. Finalmente ontem, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou, numa votação apertada, o relatório favorável à regulamentação. (PL 399/15). 

Extrato de canabidiol
Foto Reprodução Wikipedia

O óleo de canabidiol (CBD)  tem sido utilizado para atenuar  sintomas de diversas doenças, melhorando a qualidade de vida de pacientes portadores de patologias que provocam espasmos e convulsões, bem como reduzindo mal estares e vômitos decorrentes de tratamentos de quimioterapia, além de outras indicações. Seu uso e aplicação vem sendo estudados cientificamente há bastante tempo, havendo já comprovação de eficácia em diversos casos e com efeitos colaterais praticamente sem relevância. 

Conhecida popularmente como maconha e marijuana a planta tem sido fumada há gerações, não constituindo crime o seu uso recreativo. Mas, paradoxalmente, enquanto o uso, no Brasil, não constitui crime, a produção e a comercialização sim. Dessa forma, as pessoas viciadas envolvem-se obrigatoriamente em ações criminosas para obter algo, cujo utilização em si, não constitui ilícito. Tais contradições parecem brincadeira, mas são apenas a ponta visível do Iceberg da hipocrisia que prevalece na discussão desse problema tão relevante sob diversos aspectos.


Meu grande mestre e amigo, Prof. Tancredo Almada Cruz, mais uma vez demonstrando sua sensibilidade e humanismo, posiciona-se aberta e corajosamente a favor da regulamentação da maconha no Brasil e o faz utilizando argumentos convincentes. Agradeço mais uma vez ao professor pela colaboração ao Blog e por ser fonte de inspiração para grande parte de seus ex-alunos e amigos.

 

GUERRA PERDIDA

 '                                        *Tancredo Almada Cruz

                                            cruztancredo@gmail.com

            Na década de 30, do século XX, vigorava em Chicago (EUA), a lei seca que proibia a comercialização de qualquer bebida alcoólica, restrição que provocou o consumo ilegal do produto.  A cidade se transformou em núcleo da bandidagem numa guerra contra o álcool. Quando a lei foi revogada a guerra acabou. Do vinho ao elegante licor, da cerveja a vodca, todas as bebidas, fossem fortes ou fracas, foram liberadas, o consumo foi regulamentado. O que era crime, virou negócio. Quem era um grande criminoso, virou um grande empresário, muitos deles multinacionais com ações na bolsa. Quem era pequeno criminoso, virou trabalhador.

            Alguns países, sobretudo da Europa, descriminalizaram a produção, distribuição e o consumo de drogas. Na América do Sul, o Uruguai fez o mesmo com relação à maconha. No entanto, a eficácia da legalização gerou controvérsias, uma vez que os traficantes dos países fronteiriços foram estimulados a adquirir a droga no Uruguai para distribuir no seu território. Assim, embora, no Uruguai, a medida tenha surtido efeito esperado, o tráfico nas fronteiras aumentou. 

        Nos anos 90, o percentual de fumantes no Brasil alcançava 36% da população adulta. Para combater o tabagismo, o Ministério da Saúde adotou medidas de regulamentação do consumo. Proibiu a propaganda e delimitou os lugares onde era permitido fumar. A política de combate ao tabagismo ficou sob a responsabilidade do Instituto Nacional do Câncer cujos relatórios periódicos demonstram o sucesso das medidas adotadas. O resultado foi uma redução considerável no número de fumantes. Hoje, eles representam cerca de 10% da população.

            Atualmente, vivenciamos uma guerra no combate às drogas, no Brasil, que mata mais do que o mal que se deseja combater. Em apenas um dia, na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, foram mortos 25 “suspeitos” e 1 policial. Pela legislação brasileira, consumir drogas não é crime. Entretanto, o dependente/usuário necessita se relacionar com o crime para adquiri-la. Muitas vezes, ele fica endividado e acaba praticando delitos para obter as drogas, tornando-se um criminoso. Geralmente é levado à prisão, sobrecarregando o já superlotado sistema carcerário nacional, envolvendo-se ainda mais com a criminalidade.

    Outra questão a ressaltar, é o peso relativo do Brasil para a América do Sul, grande dimensão territorial, populacional e econômica, além da forte participação no comercio exterior, o que torna o país uma importante rota para tráfico internacional.

    O que deve ser feito?! Vamos seguir o exemplo americano na década de 30 ou vamos seguir a regulamentação do Ministério da saúde brasileiro?  A conduta para superar a guerra às drogas deve ser uma combinação das duas políticas: legalização com regulamentação. O resultado esperado é o fim da guerra, transformando traficante em empresário, “soldados do tráfico” em trabalhadores e o crime em si em negócio com ações na bolsa. Fica claro que entre proibir ou liberar com responsabilidade, existe um abismo que significa continuar perdendo ou vencer essa guerra.

 *Economista, professor aposentado do departamento de economia da Universidade Federal de Viçosa/MG (UFV)