sábado, 26 de abril de 2014

CRÔNICAS DO DIA A DIA - Redes sociais e a exposição de cada um

Antigamente quem queria expor sua figura saía a passear nas praças, nos jardins e nos passeios públicos. Machado de Assis descreve lindamente esse hábito no Rio de Janeiro de séculos passados, em seus romances e crônicas. Havia também as pessoas que  ficavam debruçadas à janela, ou sentadas nas varandas e calçadas,  boa parte do dia, vendo a vida ou a banda passar, como disse o Chico: "estava à toa na vida, o meu amor me chamou pra ver a banda passar". Parece que na Índia, diz-se de quem quer dar umas voltinhas para ver e ser visto,  vai  "arrastar o sari no mercado"
Há algum tempo, princialmente depois da televisão e do cinema, esses hábitos começaram a desaparecer.
Agora com a net e as redes sociais, a exposição pessoal tomou outras dimensões e, não sendo uma exposição física,  pessoas ficam menos atentas, principalmente os mais jovens, que tendem a mostrar tudo que rola. 
E as redes sociais, como facebook, instagran, twitter acabam tornando-se uma ferramenta muito interessante para a gente conhecer melhor as pessoas com as quais nos relacionamos no mundo real. Pois ao expressarem suas idéias, gostos e preferências, por intermédio daquilo que publicam, compartilham ou curtem, inevitavelmente mostram boa parte do que pensam e do que são.
Ainda não temos, a não ser no âmbito de organizações e governos, pelo menos não que eu conheça, manuais de conduta e regras de etiqueta que se aplicam às redes sociais, de forma geral. No entanto, alguns experts no tema começam a se manifestar, ainda um pouco timidamente, porque afinal, a net é um território livre e regras, normas e padrões de conduta são cerceadores da liberdade, algo tão valorizada na rede.
Não quero aqui me prender a essas questões de regras de etiqueta, que são  mesmo,  mecanismos de controle social, geralmente ditados pelos mais poderosos. Meu intuito é apenas comentar o quanto dá para conhecer de uma pessoa por aquilo que ela expressa por intermédio das redes sociais. Preconceitos, ignorância e até falhas de caráter saltam aos olhos de observadores mais atentos, da mesma forma como a generosidade, a tolerância e a civilidade dos usuários ficam evidentes.
Não é por acaso que as organizações (poderia dizer empresas, mas não apenas estas), atentas que são aos movimentos sociais e culturais, já utilizam largamente  informações expostas nas redes, para orientar processos seletivos de empregados e para direcionar avaliações de desempenho, ou decisões relacionadas a acesso e progressões em carreiras funcionais.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Ainda ele. Gabriel Garcia Marques

Vendo sua literatura classificada como realismo fantástico, teria dito Gabriel Garcia Marques: “É só realismo A realidade é que é mágica. Não invento nada. Não há uma linha nos meus livros que não seja realidade. Não tenho imaginação.”
Gabo não legou ao mundo apenas o encantamento de sua literatura, mas também tocou a muitos, como é o meu caso, por suas posições políticas. Assim, resolvi transcrever algumas frases memoráveis, pinçadas de seu discurso feito na Academia Sueca de Letras, em 1982, quando lhe foi concedido o prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra.

“A independência do domínio espanhol não nos pôs a salvo da demência.”
“... Nas boas consciências da Europa, e às vezes também nas más, irrompem desde então, com mais ímpeto que nunca, as notícias fantasmagóricas da América Latina, esta pátria imensa de homens alucinados e mulheres históricas, cuja tenacidade sem fim se confunde com a lenda.”
“Enquanto isso, 20 milhões de crianças latino-americana morrem antes de fazer dois anos, mais do que todas as crianças que nasceram na Europa Ocidental desde 1970. Os desaparecidos da repressão somam quase 120 mil... Numerosas mulheres presas grávidas deram à luz em cárceres argentino, mas ainda se ignora o paradeiro de seus filhos, que foram dados em adoção clandestina ou internados em orfanatos pelas autoridades militares, morreram cerca de duzentas mil mulheres e homens em todo o continente, e mais de cem mil pereceram em três pequenos e voluntariosos países da América Central.....”
“Eu me atrevo a pensar que é esta realidade descomunal, e não só a sua expressão literária, que este ano mereceu a atenção da Academia Sueca de Letras. Uma realidade que não é a do papel, mas que vive conosco e determina cada instante de nossas incontáveis mortes cotidianas, e que sustenta um manancial de criação insaciável, pleno de desdita e de beleza, e do qual este colombiano errante e nostálgico não passa de uma cifra assinalada pela sorte. Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e malandros, todos nós criaturas daquela realidade – desaforada, tivemos que pedir muito pouco à imaginação, porque para nós o maior desafio foi a insuficiência dos recursos convencionais para tornar nossa vida acreditável. Este é, amigos, o nó da nossa solidão.”
“A interpretação da nossa realidade a partir de esquemas alheios só contribui para tornar-nos cada vez mais desconhecidos, cada vez menos livres, cada vez mais solitários...”
“A solidariedade com nossos sonhos não nos fará sentir menos solitários enquanto não se concretize com atos de respeito legítimo aos povos que assumam a esperança de ter vida própria na divisão do mundo.”
“A América Latina não quer nem tem porque ser um peão sem rumo ou decisão, nem tem nada de quimérico que seus desígnios de independência e originalidade se convertam em uma aspiração ocidental.”
“Por que a originalidade que é admitida sem reservas em nossa literatura nos é negada com todo tipo de desconfiança em nossas tentativas tão difíceis de mudança social?”
.”.. a violência e a dor desmedidas da nossa história são o resultado de injustiças seculares e amarguras sem conta e não uma confabulação urdida a três mil léguas da nossa casa.”
“E ainda assim, diante da opressão, do saqueio e do abandono, nossa resposta é a vida.”
“Num dia como o de hoje, meu mestre Willian Faulkner disse neste mesmo lugar: ‘Eu me nego a admitir o fim do homem’.”
“Diante desta realidade assombrosa, que através de todo o tempo humano deve ter parecido uma utopia, nós, os inventores de fábulas que acreditamos em tudo, nos sentimos no direito de acreditar que ainda não é demasiado tarde para nos lançarmos na criação da utopia contrária. Uma nova e arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa decidir pelos outros até mesmo a forma de morrer, onde de verdade seja certo o amor e seja possível a felicidade, e onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham, enfim e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra.”

Vale a pena ver o discurso inteiro no link abaixo.


http://www.vermelho.org.br/prosapoesiaearte/noticia.php?id_noticia=190916&id_secao=285

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Gabo: Hoje a América ficou mais pobre

Enquanto viajava hoje à tarde, recebi a notícia da morte de Gabriel Garcia Marques, o Gabo, orgulho da América Latina, sem dúvida um dos maiores escritores dos últimos tempos.
Prêmio Nobel de Literatura, autor do extraordinário "Cem anos de solidão," escreveu uma lista vasta de outros best-sellers, entre eles (o meu preferido, não posso deixar de confessar) "O amor nos tempos do cólera", "Ninguém escreve ao Coronel", "Confesso que vivi" e "Lembrança de minhas putas tristes", entre vários outros.
Ao assistir agora à noite uma de suas últimas entrevistas fiquei comovida quando o ouvi dizer que embora  o "Cem anos" tenha sido sua obra mais lida e traduzida em todo o mundo, tendo chegado a vender quarenta milhões de  exemplares, o livro do qual mais gostava era "O amor nos tempos do cólera". Fiquei muito comovida, por ser, como já disse, o que mais gosto. É um livro excepcionalmente bem escrito, que nos transporta com facilidade para a sua Colômbia quente e empoeirada e nos encanta do princípio ao fim.
O que dizer desta notícia tão triste?  Diante da morte, melhor silenciar.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Organizações e Qualidade de vida.

O que pretendo tratar aqui, vai além desses programas, quase todos ridículos, que algumas empresas instituem com o propósito de melhorar a qualidade de vida(sic) de seus funcionários. Primeiro sugam até a última gota de suor e sangue do empregado, levam-no ao limite cobrando níveis de produtividade e desempenho cada vez mais elevados. Depois vêm com um “pacote” de bobagens, como ginástica laboral, sala de re-energização, encontro do café da manhã, ou bom dia na empresa e outros mais, para tentar amenizar os impactos da crueldade. Não seria melhor explorar menos as pessoas e propiciar um ambiente de trabalho mais harmonioso, respeitando os limites e singularidades de cada um?
Como disse, não me refiro a isso, ou pelo menos não somente a isso, quando me proponho a falar sobre Organizações e qualidade de vida de todos nós. Mesmo se não mantemos vínculo de emprego com organização alguma, ainda assim, a nossa qualidade de vida e nosso bem-estar estão, hoje em dia, estreitamente ligados às organizações, na medida em que praticamente tudo que fazemos está relacionado ao desempenho de algumas delas.
Se não, vejamos: desde cedo quando acordamos, em nossas primeiras ações do dia, organizações estão presentes a promover serviços que são indispensáveis para nós. Ao abrir a torneira para escovar os dentes pela manhã, está lá a companhia de saneamento que nos fornece água tratada de boa ou má qualidade, a um preço justo ou não. Se o sistema de coleta de lixo da nossa cidade não funciona adequadamente, estaremos sujeitos a um conjunto de mazelas decorrentes dessa inadequação. Da mesma forma o transporte público, do qual dependemos para o nosso deslocamento, a escola dos nossos filhos, o hospital onde buscamos atendimento para os problemas de saúde, a companhia que fornece energia elétrica. Poderíamos mencionar muitas, muitas outras. Por isso dizemos que a nossa qualidade de vida depende do desempenho das organizações. É claro, não somos independentes, nem vivemos isolados.

Ando cansada de receber mensagens, nas redes sociais principalmente, que afirmam que “a nossa felicidade depende de nós”. Ledo engano, nada mais falso. Circunstancias e fatos atrelados à nossa vida, quer queiramos ou não, tolhem a nossa independência delimitando escolhas na maior parte dos aspectos que envolvem  nossa rotina. Quem pode escolher qual companhia de energia, de água, de esgoto, qual sistema de transporte público  vai utilizar? Alguém ai pensa que dá pra ser feliz, quando seu plano de saúde aumenta a mensalidade em 25%, enquanto seu salário não teve reajuste algum? 

domingo, 6 de abril de 2014

Horóscopo do dia

“Tudo o que ficou entalado na sua garganta, e não pode expressar por meio de sua veia artística, começará a fluir bem melhor a partir de hoje. Vênus entra em seu signo e além de aumentar seu encanto pessoal (sic) e seu poder de atração (novamente sic), favorece sua comunicação” 

Ainda bem. Tenho andado travada, com a veia poética murcha, diria seca, mas não tenho coragem, pois supersticiosamente creio que ao  verbalizar assim, acabaria  por descartá-la, já tão escassa, a pobrezinha. ´
Quem escreve, ou tenta escrever, como é o meu caso, passa por períodos assim, de pouca fertilidade. É uma angústia danada, uma sensação de impotência devastadora que chega perto de adoecer. Então, eu que não acredito em horóscopo, mas que os leio com frequência,  me renovo e digo a mim mesma:  - uma crônica que seja e das bem curtinhas, vá chega de preguiça.
E aqui venho  ainda murcha,  pouco certa de que Vênus  esteja mesmo a emanar sobre os signatários de peixes aquele encanto e poder de atração prometidos. Mas vá lá, nesses tempos de pouca crença e esperanças quase sempre vãs, não  custa nada apegar ao horóscopo do dia mesmo que seja para encorajar-me a empreender mais uma tentativa de colocar sobre as folhas brancas, sempre tão convidativas,  essas mal traçadas linhas.