sexta-feira, 18 de abril de 2014

Ainda ele. Gabriel Garcia Marques

Vendo sua literatura classificada como realismo fantástico, teria dito Gabriel Garcia Marques: “É só realismo A realidade é que é mágica. Não invento nada. Não há uma linha nos meus livros que não seja realidade. Não tenho imaginação.”
Gabo não legou ao mundo apenas o encantamento de sua literatura, mas também tocou a muitos, como é o meu caso, por suas posições políticas. Assim, resolvi transcrever algumas frases memoráveis, pinçadas de seu discurso feito na Academia Sueca de Letras, em 1982, quando lhe foi concedido o prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra.

“A independência do domínio espanhol não nos pôs a salvo da demência.”
“... Nas boas consciências da Europa, e às vezes também nas más, irrompem desde então, com mais ímpeto que nunca, as notícias fantasmagóricas da América Latina, esta pátria imensa de homens alucinados e mulheres históricas, cuja tenacidade sem fim se confunde com a lenda.”
“Enquanto isso, 20 milhões de crianças latino-americana morrem antes de fazer dois anos, mais do que todas as crianças que nasceram na Europa Ocidental desde 1970. Os desaparecidos da repressão somam quase 120 mil... Numerosas mulheres presas grávidas deram à luz em cárceres argentino, mas ainda se ignora o paradeiro de seus filhos, que foram dados em adoção clandestina ou internados em orfanatos pelas autoridades militares, morreram cerca de duzentas mil mulheres e homens em todo o continente, e mais de cem mil pereceram em três pequenos e voluntariosos países da América Central.....”
“Eu me atrevo a pensar que é esta realidade descomunal, e não só a sua expressão literária, que este ano mereceu a atenção da Academia Sueca de Letras. Uma realidade que não é a do papel, mas que vive conosco e determina cada instante de nossas incontáveis mortes cotidianas, e que sustenta um manancial de criação insaciável, pleno de desdita e de beleza, e do qual este colombiano errante e nostálgico não passa de uma cifra assinalada pela sorte. Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e malandros, todos nós criaturas daquela realidade – desaforada, tivemos que pedir muito pouco à imaginação, porque para nós o maior desafio foi a insuficiência dos recursos convencionais para tornar nossa vida acreditável. Este é, amigos, o nó da nossa solidão.”
“A interpretação da nossa realidade a partir de esquemas alheios só contribui para tornar-nos cada vez mais desconhecidos, cada vez menos livres, cada vez mais solitários...”
“A solidariedade com nossos sonhos não nos fará sentir menos solitários enquanto não se concretize com atos de respeito legítimo aos povos que assumam a esperança de ter vida própria na divisão do mundo.”
“A América Latina não quer nem tem porque ser um peão sem rumo ou decisão, nem tem nada de quimérico que seus desígnios de independência e originalidade se convertam em uma aspiração ocidental.”
“Por que a originalidade que é admitida sem reservas em nossa literatura nos é negada com todo tipo de desconfiança em nossas tentativas tão difíceis de mudança social?”
.”.. a violência e a dor desmedidas da nossa história são o resultado de injustiças seculares e amarguras sem conta e não uma confabulação urdida a três mil léguas da nossa casa.”
“E ainda assim, diante da opressão, do saqueio e do abandono, nossa resposta é a vida.”
“Num dia como o de hoje, meu mestre Willian Faulkner disse neste mesmo lugar: ‘Eu me nego a admitir o fim do homem’.”
“Diante desta realidade assombrosa, que através de todo o tempo humano deve ter parecido uma utopia, nós, os inventores de fábulas que acreditamos em tudo, nos sentimos no direito de acreditar que ainda não é demasiado tarde para nos lançarmos na criação da utopia contrária. Uma nova e arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa decidir pelos outros até mesmo a forma de morrer, onde de verdade seja certo o amor e seja possível a felicidade, e onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham, enfim e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra.”

Vale a pena ver o discurso inteiro no link abaixo.


http://www.vermelho.org.br/prosapoesiaearte/noticia.php?id_noticia=190916&id_secao=285

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