domingo, 26 de agosto de 2012


Laene Teixeria Mucci é poeta  de primeira grandeza e modéstia  do tamanho do seu talento. Ao publicar um de seus poemas, rendo homenagem a essa grande mineira de quem ando com muita saudade.

A CRIATURA E SUA LOUCURA

A loucura é velha como a criatura...
Nasceram do mesmo ventre, pintadas de verde,
na mesma hora da noite e do dia...
Banharam-se nas águas vermelhas do mesmo rio
E se nutriram juntas de fome e de frio no seio materno.
A criatura, morena, queimada de sol,
a loucura, cinzenta, molhada de chuva.
Se uma delas se pronuncia, a outra emudece...
se a primeira sorri, a segunda entristece
e batem sozinhas os pés sobre o chão...
Quando a loucura desperta,
a criatura vira para o canto e finge que adormece sem dar satisfação...
Vão vivendo e convivendo assim,
meditando as overdoses de gritos e silêncios,
persignando mil vozes para ganhar o céu.

(Laene Teixeira Mucci, em Versos Peregrinos).

quarta-feira, 15 de agosto de 2012


MEDIANERAS

Quem não gosta de assistir um bom filme? Recentemente minha amiga Sandra Taranto, cinéfila das boas, recomendou-me assistir Medianeras. Costumo correr atrás das sugestões dela, pois são, na maior parte das vezes, ótimas indicações. Nesse caso específico fiquei ainda mais curiosa, pois tenho uma amiga com o nome de Medianeira, o que não é muito comum.
Mais uma vez, valeu a pena. Sugiro e recomendo. O filme é ambientado em Buenos Aires. Vista por uma arquiteta, a personagem feminina principal, a cidade é mostrada em suas contradições, onde, tem sido instalada uma Cultura do Inquilino.  Mas a história bem que poderia ter sido no Rio, de Drummond: “Nesta cidade do Rio de dois milhões de habitantes, estou sozinho no quarto. Estou sozinho na América” (Carlos Drummond de Andrade em A Bruxa). Ou em qualquer outra grande cidade, onde as pessoas cada vez mais se isolam em seus pequenos espaços individuais, ou “caixas de sapatos”, como são referidos no filme.
O tema não podia ser mais atual: a solidão moderna, nessa época de relações virtuais. Uma questão tão em voga  é posta sem meias palavras: “a internet me aproxima do mundo, mas me afasta da vida”, diz um dos personagens . Olhando para  a cidade repleta de cabos, alguém pergunta: cabos servem para nos unir, ou nos separam mais?
Neuroses modernas e predominantemente urbanas são mostradas com bastante humor, ficando claro que não é fácil  aplacá-las mesmo a custa de muito rivotril. 
Embora parte da crítica brasileira tenha sido parcimoniosa, o filme foi considerado por Rubens Ewald Filho, um dos mais respeitados comentaristas de cinema do Brasil, como “um filme encantador e agradável”, tendo recebido o prêmio de Público da Mostra Panorama no festival de Berlim e a da Mostra competitiva do Festival de Gramado, em 2011.
Medianeras explora com precisão a difícil  busca do outro, fazendo uma analogia com o livro-jogo Onde está Wally, para mostrar como na grande cidade isso fica praticamente impossível.  Numa das cenas mais engraçadas a arquiteta procura o personagem com o auxílio de uma lupa e, ainda assim, não consegue encontrá-lo.
Para os que gostam de arquitetura, o filme é um prato cheio. Tal é a sua importância que esse aspecto tem sido mencionado como o terceiro protagonista. Desde o início o personagem masculino avisa: “estou convencido de que as separações, os divórcios, a violência familiar... a falta de comunicação..., a depressão,..., as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade..., os estresse e o sedentarismo são responsabilidade dos arquitetos e dos incorporadores.”
A arquitetura justifica o título do filme que, somente é elucidado perto do final: Medianeras são paredes cegas que dão para prédios vizinhos e onde não pode haver  janelas, sendo muito usadas para publicidade.  A ausência de janelas fomenta o isolamento e a solidão que são mostrados de maneira implacável nesses tempos de excesso de possibilidades de comunicação e de relacionamentos virtuais.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Viva Caetano!


C A E T A N O     V E L O S O,  70 ANOS

           Há quase trinta anos, mais precisamente em 1983, minha amiga Sônia Castro e eu, numa daquelas aventuras dignas de quem tem vinte anos, fomos passar uma semana no Rio de janeiro. Entre os programas: visitar uma exposição de Fernando Pessoa na Biblioteca Nacional (Fernando Pessoa - hóspede e peregrino), ver Fernanda Montenegro em As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant e assistir o show Uns de Caetano Veloso, no Canecão. Hospedadas no CEU – Casa do Estudante Universitário, um prédio lindo e antigo, naquela época caindo aos pedaços, pegamos vários dias de chuva na cidade maravilhosa. Voltamos com a alma lavada, pois além desses aí, ainda vimos uma deliciosa comédia, O Dia em Que o Alfredo Virou a Mão e assistimos Eles não Usam Blak-Tie, recém liberado pela censura.
Hoje, ao ver a notícia de que o Caetano está fazendo 70 anos, não pude deixar de pensar em como nós envelhecemos e ele não. Na época, ele, já quase um quarentão, mas, magérrimo e saltitante, de calça verde abacate no palco, parecia um menino. E continua parecendo, como também continua pirando a gente.
“Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luis de Camões” (Caetano Veloso, em Língua).
Em recente entrevista, o cartunista Laerte relatou que certa vez perguntaram ao Caetano se ele se considerava um gênio. E ele teria respondido: eu até poderia ser, se me esforçasse. 
É um danado, um gênio, sem dúvida alguma. Ainda mais se constrói toda a sua extensa obra, sem fazer grande esforço, como teria dito. Aliás, custo a acreditar nisso: ninguém consegue escrever tão bem, coisas tão bonitas, sem fazer muito esforço. Ou, pensando melhor, acredito sim, se essa pessoa for o baiano Caetano, autor de Sampa e orgulho de todos os brasileiros. Viva Caetano!