segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Uma Capelinha Apenas

Moro em Viçosa, há 40 anos. Não me canso de registrar o quanto esta cidade é acolhedora e repleta de possibilidades de aprendizado e desenvolvimento pessoal.
No entanto, em todo esse tempo, frequentemente sou assolada por um sentimento de decepção pela forma como a cidade, e, especialmente seu poder público municipal, vêm tratando sua história.
À exceção de Arthur Bernardes e seus feitos para o município (que não são pouca coisa), Viçosa é uma cidade quase sem passado, ou pelo menos os registros desse tempo são escassos. Uma cidade que tem quase 150 anos de emancipação política e importância indiscutível no cenário da educação merecia um tratamento diferente.
Aqui observa-se o desrespeito cotidianamente. A destruição da igreja matriz de Santa Rita e da Capela do Rosário (que ficava exatamente onde hoje encontra-se o mal cuidado prédio da prefeitura) são os exemplos mais citados, mas não são casos isolados. Um das construções centenárias da cidade, o Hospital São Sebastião, vem sendo cruelmente descaracterizado, com os sucessivos ‘puxadinhos’ que vão sendo incorporados à edificação principal, sem critério algum que tente manter a arquitetura original.
As antigas edificações da época da fundação da cidade, há mais de cem anos vêm sendo cotidianamente levadas ao chão, vencidas pela especulação imobiliária, implacável e gananciosa numa localidade que recebe gente do mundo inteiro. Até mesmo a antiga estação ferroviária, localizada em pleno centro da cidade, vem sendo descaracterizada. A sua última reforma desprezou sua cobertura em telhas francesas (que provavelmente devem ter ido para a caçamba de entulho).
Temos ainda, no centro da cidade, uma enorme construção de um antigo hotel que a qualquer momento será derrubado para dar lugar a mais um espigão como os muitos que brotam  todos os dias em todos os cantos.
Recentemente em minhas caminhadas descobri nas proximidades da UFV (Universidade Federal de Viçosa) mais um condomínio sendo erguido em local onde havia uma fazenda centenária, que já foi derrubada. No local, no entanto, há ainda uma pequena capela que está abandonada e sendo destruída pela força dos tratores que rangem no seu entorno. É lamentável imaginar que provavelmente daqui a bem pouco tempo ela também irá ao chão.
Foto: Fernanda Ponzio
Há uma frase clássica atribuída ao historiador Arnold Toynbee que diz algo assim: ‘a história é a história dos vencedores’. Também na versão citada como sendo do escritor inglês George Orwel: ‘a história é escrita pelos vencedores’. No caso de Viçosa, quem vem vencendo de goleada é a especulação imobiliária.

Será que teremos de nos conformar de viver num lugar sem história?

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Diário da Chapada Diamantina – 7. Andaraí, Lapidação de Diamantes, Marimbus e Jardins do Brasil


Construção em pedra em andaraí
É a nossa despedida da Chapada Diamantina, no dia seguinte pegaremos a estrada então decidimos não fazer  programas muito cansativos. Fomos conhecer Andaraí, que fica cerca de 40 km de Mucugê. Assim como essa última, Andaraí é uma pequena cidade histórica que surgiu a partir da exploração do garimpo.
Marimbus: o pantanal da Cahapada

A cidade é famosa por ser o ponto final do treking mais conhecido da região, a trilha do Vale do Paty que não fizemos, pois somente esse programa envolve cerca de quatro dias de caminhada.
Em Andaraí, ainda há garimpos artesanais em funcionamento e a lapidação ocorre em pequenas oficinas geralmente passadas de pai pra filho. Embora pequena, o trânsito é tumultuado e a cidade não tem o charme e a organização de Mucugê, parecendo possuir um comércio bem mais intenso. Além de tudo não é das mais limpas. Mas tem seu charme com o casario, igreja e calçamento muito bonitos.
 


Jardim do Brasil: Canela de ema
   

De Andaraí, seguimos para Marimbus que fica a 54 km de Mucugê. Como veem praticamente tudo na Chapada Damantina é longe. A Chapada é um mundão, como bem disse Guimarães Rosa.
Marimbus é considerado o pantanal da Chapada pela sua profusão de águas calmas que se juntam nos encontros dos rios, totalizando mais de uma dezena  de extensas lagoas, formadas a  partir do encontro do Rio Roncador com diversos afluentes. Aí o programa é fazer longos passeios de barco em companhia de guias que remam enquanto os visitantes apreciam a paisagem do local.
Cágado: fauna do Marimbus
Fizemos o passeio em dia de chuva e talvez por isso, sinceramente esperava mais dos Marimbus. O local encontra-se fora dos limites do Parque Nacional e pertence a uma fazenda particular, cujos proprietários estão tentando valorizar o atrativo. Em minha opinião, diante da enorme quantidade de belezas da Chapada, esse torna-se um programa menor. Consta que a fauna do local é bastante diversificada, podendo-se avistar jacarés, pacas e capivaras. Não vimos esses, mas, em nosso retorno, um cágado atravessou placidamente o caminho.
Pegando a estrada de volta para Mucugê, fomos surpreendidos com a profusão de canelas de ema em plena floração no alto da serra. Um espetáculo digno de registro. A canela de ema é uma planta nativa do cerrado e que não se adapta em outras regiões. Vê-la assim fartamente florida em seu habitat natural é um espetáculo e tanto. Dizem que Burle Marx em visita à Serra do Cipó em Minhas Gerais teria eleito aquele local como o jardim do Brasil . Permito-me discordar do mestre. Para mim, o jardim do Brasil é, sem sombra de dúvida, a Chapada Diamantina. Boniteza igual só deve existir no paraíso.

Para encerrar essa série de relatos, gostaria de registrar que a Chapada Diamantina é uma vastidão. Envolve 24 municípios, além de diversos distritos  e sua área é de cerca de 38.000 km quadrados. É uma região mundialmente conhecida por suas diversas belezas naturais. Para conhecê-la plenamente creio serem necessários pelos menos uns trinta dias de muita disposição para aventuras e andanças.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Diário da Chapada Diamantina – 6. Canoagem no Rio Paraguaçu, Sítio Arqueológico, Cachoeira da Moça Loura e IGATU

Orquídeas, bromélias e costela
de Adão 
 O dia amanheceu nublado depois de uma noite chuvosa. Ainda assim, saímos cedo, pois a programação era intensa. Começamos fazendo um trecho de cerca de 3 km de carro, em estrada de terra, com destino ao Rio Paraguaçu, onde faríamos canoagem. Depois de uma pequena caminhada, em uma trilha fácil e de vegetação muito bonita, pegamos as canoas acompanhados do guia. 
Tucaneiro, profusão dela na trilha para o rio Paraguaçu
Foto: Solange do Carmo
A canoagem é uma prática que exige apenas disposição para remar. O encontro entre o Rio Preto, e o rio Paraguaçu, em Mucugê, é um dos lugares da Chapada mais procurados para isso.  Como chovia, não deu para arriscar a descida pela parte mais  encachoeirada do rio. Ficamos pouco tempo  por lá.
No caminho de volta passamos para visitar um dos sítios arqueológicos da região. Em terras particulares, pertencentes à fazenda Paraguaçu, encontra-se um dos conjuntos de inscrições rupestres, dentre os vários existentes na Chapada Diamantina. O mais famoso deles é o complexo arqueológico Serra das Paridas. Constituído por 18 sítios situa-se no município de Lençóis. O sítio arqueológico Fazenda Paraguaçu  não é sinalizado e parece não merecer a menor importância por parte do poder público. Formado por pinturas  rupestres de milhares de anos,  muitas delas ainda em fase de datação, os desenhos representam animais, figuras geométricas e contem também diversos riscos encadeados que, segundo o guia, indicam processos de contagem adotados pelos povos primitivos que habitaram a região. Especialistas acreditam que essas pinturas possuem cerca de 8 mil anos.
Desenhos pré-históricos, preciosidades

... em local abandonado


É uma emoção sem par ver de perto traços deixados por nossos antepassados de épocas tão remotas. Encantada pela verdadeira viagem no tempo que a visita nos provocou  e, ao mesmo tempo desolada por ver uma preciosidade dessas deixada “ao léu”, sem qualquer vigilância, ou orientação ao visitante. Perplexa. Foi assim que fiquei ao perceber que uma preciosidade dessas encontra-se em local não tombado e sem nenhuma proteção. Indignada em pensar que um maluco qualquer pode danificar aquilo, arrancar as pedras, enfim destruir  algo que é uma experiência única de manter contato com civilizações pré-históricas que viveram no Brasil antes de sua colonização pelos portugueses e das quais ainda pouco ou quase nada sabemos.
Aqui abro um parênteses para lembrar que em minha visita ao Museu Municipal de Mucugê,  vi  referências aos donatários de terras e coronéis que foram os mandachuvas da cidade, mas não vi sequer menção à presença de civilizações pré-cabralianas em terras da Bahia.
Depois rumamos para a Cachoeira da Moça Loura, em trilha de vegetação encantadora, onde nadamos e desfrutamos de águas limpas, mesmo debaixo de uma chuva fininha. De  repente, estando no local, fomos surpreendido por uma música. Era o nosso guia que empoleirado em cima de uma árvore que debruça-se sobre a cachoeira tirava sons de uma folha de feijão preto, árvore típica da região. As tentativas de fazermos igual  foram uma farra. 
 
Quem não merece um guia desses?
Foto: Solange do Carmo

 Regressamos nesse clima e seguimos para Igatu. Uma estrada sinuosa e precária leva ao distrito que fica a cerca de 15 km de Mucugê. A chegada é surpreendentemente arriscada, um despenhadeiro no meio de pedras com curvas acentuadas e pouca visão. No entanto, quando descemos do carro e rumamos a pé para o povoado não restou dúvida de que esse trajeto perigoso vale a pena.
Igatu é composto por um conjunto de casas e outras construções em pedras, quase todas em ruínas. O que restou de uma localidade que chegou a ter cerca de 10.000 habitantes e foi um cenário de riqueza na época áurea da exploração do diamante é hoje um povoado de pouco mais de 300 habitantes.
É um lugar mágico, não dá para descrever a admiração e a magia que tomam conta da gente. Nosso guia sugeriu que almoçássemos no restaurante do Chiquinho, figura peculiar do local. Ele é guia pelas trilhas pouco convencionais da Chapada, foi garimpeiro e acompanha excursões de biólogos e demais estudiosos e pesquisadores que se dirigem ao local. Conhece a fauna e a flora da região como poucos. Apresentou-nos a batata da serra, tubérculo utilizado em saladas. Mostrou-nos a arruda da montanha, um vegetal de folhas verdes escuras que desobstrui as vias aéreas, a partir de uma “cafungada” bem forte. Todos passamos pela experiência e sentimos o efeito imediato com uma respiração mais fluida. Experimentei também a cachaça do Chiquinho nas duas versões que me apresentou: com uvas dos parreirais de Igatu  e com uma raiz nativa chamada “nego forte”. Foi o suficiente para fazer-me ficar ainda mais alegre e cometer o descuido de adoçar o suco com farinha de mandioca e me transformar em alvo das gozações pelo resto do dia.
Almoçamos uma bisteca temperadinha acompanhada de arroz e farofa, além do refogado de palma, típico da Chapada, feitos pela esposa do Chiquinho.
Igrejinha de São Sebastião
Igatu constitui-se em um conjunto de construções em pedras, a maioria em ruínas, dispostas em ruelas estreitas onde carros não circulam. As poucas casas que ainda se mantem em pé e são habitadas, têm suas paredes e muros cobertos de vegetação e musgos e veem-se muitos parreirais de uvas pendendo pelos tapumes (sim, o clima da cidade é frio e propenso ao cultivo da fruta).
A noite já se aproximava mas fomos ver a simpática igreja de São Sebastião, construída em pedra, como tudo no lugar, o cemitério bizantino (sim, em Igatu também tem um, só que menor que o de Mucugê) e a galeria Arte e memória. Aí, o artista plástico Marcos Zacariades mantem seu acervo e expõe obras de outros expoentes da cultura. Há também um museu a céu aberto e um café no local, um charme. Simplesmente encantador.
Igatu que já se chamou Xique-Xique, pelas suas características e aparência, é conhecida como a Machu Picchu baiana.
Conta-se que a maioria das casas encontra-se em ruínas, porque quando o diamante tornou-se escasso no local, os moradores foram abandonando suas residências e os que ficaram continuaram cavando o solo com sofreguidão  a procura de pedras, destruindo a base de muitas edificações. Igatu hoje é quase uma cidade fantasma, sobrevive porque encanta os turistas com sua beleza e sua energia  inigualáveis.
Ruinas de Igatu - Foto: Marcella Pônzio
Ateliê e galeria de arte Marcos Zacariades - Foto: Marcella Pônzio
É, sem dúvida, um lugar para voltar mais vezes. Se soubesse que era tão bacana teria reservado pelo menos um dia inteiro para passar no local. Assim como disse que se não tivesse visto mais nada na Chapada além da planta Drossera, a viagem teria valido a pena, repito em relação a Igatu: se não tivesse visitado nenhum outro lugar,  apenas por Igatu o passeio à Chapada Diamantina teria se justificado.


Além de tudo soubemos que Igatu possui o melhor carnaval da região. Pode ser mais um bom motivo para voltar, ou para ir, no caso dos que não conhecem.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Diário da Chapada Diamantina – 5. Dia de Andar com Calma e Conhecer a cidade

Até aqui nossa viagem vinha sendo marcada pela correria. Todo dia levantava-se bem cedo, preparava-se um lanche e partia-se para os passeios na região, cujas opções não são poucas.  Não se cogitava almoçar, pois as trilhas no geral são longas, as atrações são muito interessantes e convidam a permanecer o dia inteiro. O retorno era quase sempre à noite.
Uma das  opções de passeio que pareceu atraente ao meu grupo de viagem para o nosso quarto dia de permanência na Chapada diamantina não me seduziu. A proposta deles era de viajar cerca de 200km (ainda vou falar por aqui da extensão da Chapada) para visitar duas atrações badaladas: Gruta Azul e Pratinha, que ficam além do extremo norte do Parque Nacional da Chapada Diamantina. A ideia não me pareceu das melhores, primeiramente porque, como já disse, grutas não me  atraem, depois pela necessidade de percorrer tão longa distância sabendo que havia coisas e lugares interessantes a ver mais por perto.
Ainda não andara por Mucugê. Aquela linda cidadezinha que nos hospedava e que víamos apenas de manhã e à noite quando chegávamos dos passeios, me convidava a explorá-la. Dessa forma, optei por passar um dia com mais calma e conhecer a cidade.
Ao contrário dos outros dias, comecei acordando tarde, coisa que já gosto de fazer até no meu dia-a-dia e muito mais quando estou de férias.
A cidade é lindinha, com casas e edificações em estilo colonial  bem preservadas. O conjunto  é tombada pelo Instituto Histórico e Artístico Nacional.  O calçamento em pedras no tom rosado complementa a boniteza.
Casas coloniais e calçamento em pedras rosadas
Igreja de santa Isabel

Na praça dos Garimpeiros há um bonito jardim atravessado por um riacho, sobre o qual se ergueu uma ponte no estilo jardim japonês. 

Jardim da Praça dos Garimpeiros
 Fui também ver  a atração mais famosa da cidade que é o único  cemitério bizantino do Brasil, com jazigos em forma e igrejas brancas. É  algo bastante curioso, principalmente se se levar em conta que encontra-se em pleno sertão baiano e incrustado em uma montanha de pedras.
Cemitério em estilo bizantino

Sinceramente, a comida não é  bem o que a Bahia tem de melhor. Em Mucugê não foi diferente da impressão que trago de outras viagens ao estado. Resolvi almoçar no restaurante mais badalado do lugar, mas, ainda assim não foi grande coisa. Comida correta, lugar bem limpo, atendimento razoável. Nada mais. No final da refeição, uma ambrosia de sobremesa, salvou a fama do lugar.
Apesar de a cidade ser historicamente muito rica, o Museu Municipal é pobre em acervo. Não há sequer uma menção aos sítios arqueológicos da região. Voltarei a falar desse assunto oportunamente. Visitei também alguns presépios em casas de moradores que costumam deixar suas portas abertas convidando os turistas a conhecer sua rica tradição de encenar o nascimento do menino Jesus utilizando galhos secos, troncos caídos de árvores e muitos musgos e orquídeas da região. 
Era dia de feira. Aproveitei para comprar ingredientes de salada e frutas típicas.
Andava com saudade de nossa comidinha de Minas. Retornei a tempo de preparar um jantarzinho. Fiz uma galinhada e um feijão fradinho à moda mineira que, confesso sem modéstia, ficaram de comer rezando.
Jantarzinho mineiro
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