Já abordei o tema da qualidade de vida
no trabalho aqui no blog. Na oportunidade mostrei um teste que auxiliava na sua
avaliação, a partir de um modelo proposto por Hair*.
Agora
volto ao assunto, discutindo-o sob a perspectiva da abordagem de Walton**. Um modelo, como se sabe, é uma tentativa de
aproximação da realidade, sendo que, geralmente apresenta alguma limitação ao
explicar determinado fato ou fenômeno. Já foi dito que os modelos são frágeis,
porque a realidade é escorregadia e raramente se esquadra plenamente dentro dos
modelos que tentam explicá-la. Principalmente a realidade social que, muito
mais que os fenômenos físicos, é altamente complexa e dinâmica.
Assim,
falar sobre qualidade de vida é quase tão perigoso, quanto tentar definir
felicidade. Muitas vezes se comete o deslize de deixar de lado as diferenças pessoais, mencionar o
óbvio, cair na mesmice e resvalar para aspectos
difíceis de serem esclarecidos. Tudo isso por causa das várias nuances e
perspectivas sob as quais o tema pode ser abordado. Falar sobre qualidade de
vida no trabalho (QVT) também não é algo simples, no entanto já temos alguns
estudos e pesquisas que contribuem para lançar luzes sobre o tema.
O trabalho de Walton** apresenta um modelo bastante abrangente de QVT, conforme mostrado a seguir:
Item
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Aspecto
|
Abrangência do
Aspecto
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1
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Compensação
justa e adequada.
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Equidade
salarial interna e externa; justiça na compensação; patilha de ganhos de
produtividade; justiça na relação incentivos x contribuições.
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2
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Condições
de trabalho seguras e salutares.
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Ambiente
físico e psicológico seguro e saudável; ausência de ameaças e perigos iminentes.
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3
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Oportunidade
de utilizar e desenvolver a capacidade humana e a autonomia.
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Uso
e desenvolvimento de capacidades e qualidades múltiplas; informações sobre o
processo total de trabalho; possibilidade de autocontrole e autonomia.
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4
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Oportunidade
para crescimento e desenvolvimento.
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Carreira;
perspectivas e possibilidades de desenvolvimento e crescimento pessoal.
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5
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Integração
social na organização do trabalho; respeito ao ser humano e valorização.
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Ausência
de preconceitos, igualdade, mobilidade, relacionamentos e senso comunitário.
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6
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Constitucionalismo
na organização do trabalho.
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Direitos
do trabalhador; aspectos legais; tratamento imparcial; liberdade de
expressão.
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7
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Espaço
do trabalho dentro da vida.
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Equilíbrio
entre o papel do trabalho e outros aspectos da vida do trabalhador. Tempo de
lazer e família; poucas mudanças geográficas.
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8
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Relevância
social do trabalho.
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Imagem
da organização e responsabilidade social; capacidade de realização que o
trabalho promove; importância social do trabalho.
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Existem vários outros modelos
desenvolvidos academicamente para tentar estabelecer os aspectos relevantes
para a qualidade de vida no trabalho e dimensiona-los. Como esse não é um
artigo acadêmico, vamos nos ater ao modelo de Walton, que, por si só já apresenta
uma relação bastante abrangente de pontos a serem considerados ao se analisar a
qualidade de vida no trabalho.
A partir desse conjunto de aspectos e,
refletindo-se sobre cada um deles, é possível dimensionar se um trabalho, e as
condições mediante as quais é exercido, promovem a qualidade de vida do
trabalhador ou, se, ao contrário, torna-a precária, contribuindo para a
instalação de doenças.
Orientei, recentemente, um trabalho de conclusão de curso que teve
como tema a qualidade de vida e o
estresse ocupacional entre profissionais
de saúde no município de Viçosa. Os resultados foram preocupantes. Descobrimos,
por exemplo, que 32,65%, dos empregados em saúde no município possuem
dois vínculos funcionais, ou dupla atividade empregatícia. Isso se dá geralmente em função dos baixos
salários praticados pelos hospitais e outras instituições de saúde, enquadrando-se
justamente no primeiro aspecto do modelo de Walton. O segundo aspecto aborda as
condições de segurança, o ambiente físico e psicológico, incluindo a ausência
de ameaças à integridade do trabalhador. Observamos que o significativo contingente de 32,65% dos trabalhadores que participaram da
pesquisa, estiveram, por algum período, afastados de suas atividades profissionais,
nos últimos doze meses e que era elevado o percentual de doenças relacionadas ao estresse ocupacional.
Embora se saiba que entre os
trabalhadores da saúde, condições adversas podem provocar danos irreversíveis à
vida dos usuários dos serviços, é possível supor que tais condições de trabalho
não sejam muito diferentes das de outras categorias profissionais. Tudo indica
que isso ocorre primeiramente porque vivemos em uma região onde a oferta de
postos de trabalho não é grande. Depois porque, muitas vezes tanto trabalhadores, quando
supervisores e gerências intermediárias são pouco qualificados, possuem a autoestima
bastante baixa e não são encorajados a mudar a situação.
Como vemos no modelo, aspectos como
oportunidade de crescimento e a integração social que o trabalho promove também
são temas consideráveis. O equilíbrio entre o trabalho e outros aspectos da
vida do trabalhador, como tempo de lazer, por exemplo é também dimensão a ser
avaliada, pois o trabalho não pode, por si somente, suprir todos as dimensões de uma vida que se deseja plena.
A relevância social do trabalho desponta,
mesmo que em último lugar, como aspecto a ser considerado na qualidade de vida
no trabalho. Certamente nesse quesito, os trabalhadores de saúde, assim como os
da educação, por exemplo, saem na frente, pois o seu trabalho lhes confere a possibilidade
de sentirem-se úteis à sociedade, o que não é algo desprezível. No entanto, por
mais idealista que seja uma pessoa, condições materiais, principalmente numa
sociedade consumista como a nossa, não podem ficar de fora, ao se avaliar a
qualidade de vida no trabalho.
Enfim, esse é um tema
muito abrangente, que instiga e provoca
angústias em profissionais da área de gestão de pessoas, muitos deles
idealistas, mas pressionados por resultados, situação corrente no mundo
organizacional. Observamos muitas vezes que o trabalho, enquanto realizador da capacidade
humana, oportunidade para crescimento e desenvolvimento, integração e relevância
social, ainda é, em grande parte das vezes, uma utopia.
* HAIR,
Jr, Joseph F.. Fundamentos de Métodos de Pesquisa em Administração. Trad. Lene Belon Ribeiro.
Porto Algre: Bookmanm 2005
** WALTON, Richard E. Quality of Working Life: What is it? Sloan
Management Review, 15, 1, pp. 11-21, 1973.