segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Poema marciano número dois

Como se pode observar no meu perfil do blog quando tentei dizer quem sou, falei que era, “Acima de tudo, escrava da poesia”. No entanto, tenho falado pouco de poesia por aqui. Ainda bem que  qualquer momento pode ser tempo de corrigir essa omissão imperdoável.
Dizem que a arte nos salva. Penso que, se não, pelo menos nos redime. Ela tem o poder de consolar e amenizar nossa caminhada, não somente nos momentos de “normalidade”, mas principalmente durante os percursos mais doloridos. Dia desses, precisando de resgate, abri o Esconderijos do Tempo, esse pequeno tesouro do Mário Quintana e está lá:

Poema marciano número dois

Nós, os marcianos,
Não sabemos nada de nada,
Por isso descobrimos coisas
Que
De tão visíveis
Vocês poderiam até sentar em cima delas..
Não brinco! Não minto! Um dia um de nós (Van Gogh) pintou
                                                                                  [uma cadeira vulgar,
uma dessas cadeiras de palha trançada...
Mas, quando a viram na tela, foi aquela espantação:
“uma cadeira!”, exclamaram.
Uma cadeira? Não, a cadeira.
Tudo é singular.
Até as autoridades sabem disso...
Se não me explica
por que iriam fazer tanta questão
das tuas impressões digitais?!

(Do livro Esconderijos do tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013)




sábado, 14 de novembro de 2015

Sauás

Ando emudecida, com veem; não costumo passar período tão longo sem dar as caras aqui no blog. Qualquer coisinha tem sido pretexto pra meus pitacos. Meus textos, meus canteiros, meus bordados, minhas comidinhas, minhas leituras.
Tenho sido silenciada por uma doença grave em família que me faz ainda mais frágil do que sou; que me tira as palavras, uma das minhas melhores fontes de energia.
Calou-me ainda mais a tragédia ocorrida em Mariana, aqui tão pertinho de nós; rouba-me as palavras a desolação pelo estado em que se encontra o nosso Rio Doce e por saber que as consequências desse nefasto episódio sequer podem ser mensuradas pela nossa ainda incipiente ciência. Emudece-me a impotência diante da insensatez abominável das empresas envolvidas e da inoperância descarada dos políticos com tragédia dessa magnitude.
Andava assim silenciosa. Há momentos em que já tantas palavras  têm sido ditas, que abraça-me a certeza de que as minhas não dirão nada além.
Nesse estado de quase torpor, impotente, fraca e desanimada chegam as notícias dos ataques em Paris. Acabo de crer que, nesses momentos, nada tinha a dizer.
Mas hoje quando em plena tarde calorenta estou saindo pra levar minha filha numa festa, fomos surpreendidas por movimentos escuros na amoreira de frente que andava carregada de frutas. Eram jacus, pensamos em princípio. Vivem em bando por aqui. Mas um olhar mais atento e mais treinado de minha bióloga preferida fê-la sussurrar afastando-me:
Um deles é esse ponto marrom no
alto da amoreira-Foto: Marcella Pônzio
 - São Sauás, mãe, os lindos que andavam desaparecidos voltaram. Cuidado, são ariscos, estão comendo amoras. Ela sussurrava enquanto pegava o celular para fotografar. Chegamos vagarosamente mais perto. Eles se disfarçavam entre as folhas da amoreira. Era um casal e um deles levava um filhotinho nas costas. Leve e rapidamente se esgueiraram no meio dos angicos que circundam a amoreira. Foram alguns instantes apenas. A alegria da minha filha, uma apaixonada e estudiosa dos primatas, me encheu de ânimo. Alegrei ao perceber que vale a pena meu esforço por transformar essa área de preservação tão abandonada pelo município e tão judiada pelos moradores e passantes do bairro. Vibrei por perceber que esse local onde planto insistentemente minhas mudinhas, minhas arvorezinhas, esse local está vivo. 
Esses três sauás e sua presença tão sutil me devolveram as palavras, me restituíram a crença na vida e me inspiraram a vir aqui compartilhar com vocês este rasgo de alegria nesses tempos difíceis.