quarta-feira, 31 de março de 2021

Sobre Desencantos com Gentes e Encantamentos por Livros

No meio desse caos todo em que estamos vivendo, mesmo sem ser adepta da síndrome de Poliana, consigo ver duas coisas boas acontecendo: A primeira delas, apesar de boa, é muito triste. Trata-se de um doloroso processo que acredito esteja afetando muitos de nós. Descobrimos que tínhamos amigos que não apenas votaram em um sujeito declaradamente machista, violento, preconceituoso e fascista; alguns continuam ainda, defendendo suas ações e omissões criminosas. Percebemos pessoas que pensávamos esclarecidas, cultuando Olavo de Carvalho, o filósofo de araque que orienta as ações de membros do governo e acredita que a terra é plana. Deparamos com médicos em quem confiávamos, adotando posturas negacionistas, debochando das medidas de distanciamento social e desprezando o uso de máscaras e outros cuidados capazes de minimizar os efeitos devastadores do corona. E também pessoas que acreditávamos possuir certa nobreza de caráter, vemo-las defendendo o extermínio de pobres e negros e outros grupos vulneráveis. Até gente que dizia ser contra a corrupção costuma encorajar-se a justificar ações declaradamente corruptas e negando a ética que pareciam defender. 
    A segunda, essa sim boa e alegre, é que parece que estamos todos lendo mais. Como não comemorar isso, mesmo no meio de tanta dor e desolação? Vira e mexe falo aqui no blog sobre livros. É uma paixão antiga que, nesses tempos, anda mais acesa do que nunca. 
    Das experiências literárias dessa quarentena poderia falar por muito tempo, mas vou destacar dois livros muitíssimo interessantes, porque lançam alguma luz sobre a própria pandemia, ao tratarem do devastador desequilíbrio ecológico e social que o mundo vem experimentando nos últimos anos.
    O Almanaque de um Condado Arenoso é um relato e uma reflexão baseados na experiência do filósofo conservacionista americano Aldo Leopoldo, considerado um dos primeiros ecologistas da humanidade. Nesse livro, o autor não apenas defende que necessitamos adotar uma relação ética com a terra. Vai além e, ao mostrar as mais diversas, intrincadas e sutis interconexões entre os seres vivos e nos propõe algo maior: estabelecer uma relação de amor com a natureza e, consequentemente, defender a continuidade da vida. Leopoldo questiona o antropocentrismo, e destaca que “uma ética da terra muda o papel do Homo Spiens de conquistador da comunidade da terra para um simples membro e cidadão dessa comunidade” (P. 220). 
    Traduzido pelo prof. Rômulo Ribon, aqui da UFV e publicado pela editora da UFMG, esse livro me fez repensar até a raiva que eu sentia pelas cochonilhas, quando essas atacavam as minhas plantas. Pois é, até elas que vemos somente como pragas, possuem um papel no equilíbrio ecológico de nosso planetinha azul e consequentemente contribuem com a vida por aqui. Esse livro publicado originalmente em 1949 e que teve a primeira tradução brasileira apenas em 2019, impactou os paradigmas de conservação do meio ambiente e tornou-se inspiração para leis ambientais e preservacionistas em várias partes do mundo.
    Também mostrando os equívocos e consequências desastrosas da visão antropocêntrica adotada pela humanidade nos últimos séculos, O Bem Viver, do equatoriano Alberto Acosta, publicado pela Autonomia Literária e Editora Elefante, aponta aspectos que contribuíram para que o mundo se tornasse esse lugar tão perturbador: devastação ambiental, iniquidades sociais, crises econômicas e outras mazelas que parecem não ter fim. 
    Nele, o autor imagina e defende que há outros mundos possíveis; que é viável colocar um freio nas ações desenvolvimentistas e em seus padrões de consumo irrefreáveis. Argumenta veementemente que se pode barrar a ganância acumulatória infindável do sistema capitalista. Propõe não somente parar com a sangria dos recursos naturais e a devastação ambiental, em nome da geração de desenvolvimento, mas reforça a conscientização de que somos apenas parte integrante da natureza, sem nenhuma soberania sobre qualquer outro componente do planeta. Além disso, exalta o conhecimento dos povos ancestrais e defende seu uso em paralelo com a ciência. 
    Encerra seu bem fundamentado discurso mostrando que o bem viver aceita e apoia maneiras distintas de viver, valorizando a diversidade cultural, a plurinacionalidade e não tolera a destruição da natureza, nem a exploração dos seres humanos, nem a existência de grupos privilegiados à custa do trabalho e sacrifício de outros. Enfim, dois livros indispensáveis.

terça-feira, 16 de março de 2021

ONDA ROXA EM MINAS GERAIS

Por aqui, embora tudo ande muito trista, há muita boniteza. Basta andar um pouco mais longe, com o olhar atento e facilmente se encontram motivos para encantamento. A lobeira, ou fruta de lobo, é um arbusto típico do cerrado e muito comum em pastagens por quase todo o estado de Minas Gerais. Sua folhagem prateada destaca lindamente a floração roxa.
O Jacarandá Pau de Angu me parece a árvore mais representativa desses tempos sorumbáticos. Além de cheia de espinhos, mistura as cores roxo e marrom. Essa sim, a cor mais aborrecida de todas.
Trapoeraba roxa é uma planta que divide opiniões. Alguns acham-na linda para enfeitar canteiros e até para fazer bordaduras, principalmente em espaços maiores. Pessoalamente considero muito invasiva, "esguelada" e difícil de manter em um jardim ordenado.
Tumbérgias em cercas vivas ficam uma beleza. Essa flor delicada e de folhagens brilhantes, além de valorizar o contorno de espaços, enfeita canteiros e, até mesmo como exemplar isolado costuma ficar bonita.
Geralamente mais utilizada como cerca viva, a Duranta, se não for podada, torna-se um interessante arbusto que, além de lindo pelas suas delicadas flores roxas, oferece bonitos cachos de frutinhas bem amarelas. Vem dai o seu nome popular: Pingo de ouro. Além disso, ela costuma atrair muito as borboletas.
A Perpétua, aquela que se cheirasse seria a rainha das flores, tornou-se uma planta rara nos jardins atuais. Embora seja roxa, por alguma razão que desconheço, na foto aparecem avermelhadas em um lindo canteiro circular no campus da Universidade Federal de Viçosa. Uma beleza que dá gosto ver. Só por ela, já vale uma caminhada.
Ele tem o cheiro da quaresma e, mesmo fora dos altares e andores, o manjericão costuma fazer bonito nas hortas, em vasos ou canteiros. Alem de ser um tempero especial para massas e quibes, melhora também o sabor de outras iguarias.
Não se pode pretender fazer um ensaio com flores que representam a quaresma mais triste de todos os tempos, sem inclui-la. A árvore que dá nome a esse período é exuberante e, nem mesmo aos olhos mais desatentos, costuma passar despercebida.
A versão quaresmeira miúda não perde para a árvore. Ela forma touceiras e, estando em sol pleno, costuma oferecer floradas exuberantes.
E não saia sem ela, a companheira inseparável nesses tempos tristes.