quarta-feira, 27 de maio de 2015

CRÔNICAS DO DIA A DIA - A Latinha de Refri

Dia desses ocorreu um episódio que me fez pensar em como ando cada vez mais ranzinza e vacinada contra propagandas. Bem protegida diante das, cada vez mais efetivas, artimanhas do marketing.
Vínhamos de viagem, depois de uma bela e emocionante cerimônia de casamento e eu estava assim bem relaxada. Até indefesa, pensaria. Paramos em uma lanchonete dessas à beira de estrada. Minhas amigas pediram o refrigerante. Aquele imbatível nas vendas, o da lata vermelha, cujos investimentos em propaganda devem ser maiores do que na própria produção. Há anos ele é o campeão de consumo no seu setor. Certamente não conseguiu isso por causa do sabor do seu xarope, cujo teor de açúcar ou ciclamato é tão alto que deixa abestalhado, quem se dá ao trabalho de ler o rótulo. Mas a custa dos bilhões de investimentos na marca. Mil perdões, amigas.
A última jogada de marketing da empresa é colocar nomes de pessoas nas latas do refrigerante. Minhas companheiras de viagem se serviram. Perguntei à balconista se tinha água de coco. Diante da negativa, preferi comer meu pão de queijo a seco.
Minha amiga virou o nome impresso na lata para o meu lado.
 - Viu?  Perguntou-me.
– Sim, respondi indiferente.
- Viu mesmo, o nome que está na lata?
Eu havia visto, claro. Era o nome da minha filha mais velha. Ou melhor, o apelido. Minha indiferença não foi nem minimamente abalada pela insistência dela.
- Não quer mesmo levar a lata? Ela tornou a perguntar.
- Claro que não, retruquei imediatamente. O que vou fazer com essa tranqueira?
- Um porta-lápis, outra coisa qualquer, guardar de lembrança, insistiu.
Consegui apenas esboçar um muxoxo .  Não tomo refrigerante há anos e, nessa hora, tive certeza de que estou vacinada e bem imunizada contra essa “empurroterapia”, permanentemente praticada pelas grandes corporações e, em menor escala, também pelas menores.
Todavia, logo em seguida tive outra certeza: careço de  delicadeza. A amiga a quem me refiro é um amor de pessoa, sempre carinhosa e gentil. Ela estava me dando uma carona, ou seja, eu estava viajando de favor no carro dela. No mínimo, eu deveria ter sido mais simpática com o seu oferecimento e aceitado agradecida a tal da latinha.
Arrependi-me pela forma, brusca e intempestiva, com a qual recusei seu “presentinho”. Tenho, permanentemente, pedido aos deuses. Para o meu conforto, saúde e paz. E, porque meus tolerantes amigos merecem, mais delicadeza.
Estabanada, desde sempre, casca grossa, como minha mãe dizia, assim sou. Só mesmo pela generosidade das pessoas que escolho para o meu convívio, explica-se a  paciência que possuem com esse meu jeito brusco e desajeitado.
Poderia ter sorrido e demonstrado que fiquei feliz por ter encontrado, na indesejada latinha, o nome da minha filha. Ter agradecido gentilmente e  aceitado  a oferta, seria o mais educado.
O provável mesmo, se eu assim o fizesse, seria que, certamente, o restinho do refrigerante que quase sempre permanece no fundo da lata, pingaria em minha roupa ou minha bolsa. E eu teria raiva por tentar ser boazinha. Ou talvez pingasse no banco do carro da minha gentil amiga. E eu já estaria começando a me arrepender disso tudo, nos primeiros instantes após a minha decisão de ser diferente do que sou.
E, certamente, ao chegar em casa, minha crise de gentileza passaria logo, e a latinha iria diretamente para o lixo, seu merecido lugar.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

CONVERSAS DE JARDINEIROS - Bichos no Jardim

Durante um bom tempo, andei pensando que bichos e jardins não combinavam. Tivemos uma cachorra em casa e não fácil o convívio dela com as plantas. Como não queríamos tê-la presa principalmente à noite, para melhorar a segurança da casa, tivemos que treiná-la para não mexer nas plantas e nos canteiros. O que não foi nada fácil.
Além disso,  e quem tem um jardim sabe muito bem, há a eterna luta contra formigas, lagartas e lesmas e a não menos trabalhosa  peleja contra pulgões cochonilhas e outras praguinhas  menores, porém não menos incômodas.
Mas, como quase tudo na vida, quando o assunto são os bichos no jardim, também  tem o lado positivo.
Beija-flor. Foto Laene Mucci
Ando encantada e com o olhar mais atento aos bichinhos do jardim.  Tenho descoberto muita belezas e, como diria Guimarães Rosa, diversas interessâncias.  Os passarinhos são os meus preferidos - Esse bicho danadinho e que invejo tanto, por conseguir viver na terra e nas alturas ao mesmo tempo. Num passe de mágica alçam voo e vão pousar na grimpa da árvore do outro lado da rua. Quando não desaparecem para mais longe. Os beija-flores são um capítulo à parte. Para mim, são quase um mistério. Nosso olhar não consegue visualizar seu movimento de asas e ele parece suspenso no ar. Segundo lendas que ouvi na infância, é um animal sagrado; uma maldição recai sobre quem lhe persegue ou destrói seus ninhos. Se é verdade, ninguém sabe, mas é bom que se pense que é. Pra que mexer em ninhos ou incomodar bichinho tão bonito e benfazejo?  Tem muitos outros passarinhos bonitos que frequentam o meu jardim: canarinhos, bem-te-vis, sabiás e até o sahi, pouco comum nessa nossa pobre região tão desmatada, anda aparecendo no pé de manacá.
Joaninhas também são uma belezura. De tamanhos, formatos e cores variadas, não aparecem sempre, ou dificilmente as vemos. Os grilos, da mesma forma. E tem as borboletas, lindas, leves, coloridas, verdadeiras cores bailando. Difícil acreditar que antes de terem asas sejam capazes de trucidar nossas folhagens! 
Como temos diversas bromélias no jardim, aparecem também muitas pererecas. Interessantes de observar, dorminhocas e sossegadas, são uma benção no combate às larvas de mosquitos e pernilongos. 

Perereca dorme profundamente
na bromélia

Joaninha, uma lindeza



Pássaro Sahi, pousado no tronco do manacá,
quase confunde com a orquídea Vanda
Canários. Foto: Laene Mucci
Até as feiosinhas lagartixas acabam sendo muito bem vindas pois também ajudam no combate aos insetos indesejados.
Costumo dizer que o jardim é uma escola. Aprendemos muito observando, mexendo e pensando sobre o turbilhão de vida e mudanças que nele acontecem a todo instante. Quanta diversidade e renovação! Porque o jardim nunca é o mesmo em outro dia. Para nós que vivemos nas cidades cada vez mais cimentadas, é nesses pequenos oásis, que usufruímos uma minúscula amostra  da belezura, da grandeza e da diversidade desse nosso planeta abençoado. 
 Gavião carcará. Foto Marcella Pônzio

quarta-feira, 6 de maio de 2015

COMIDINHAS: Caldo Verde


O frio está chegando e, este ano, ele começou com chuvas. Com o tempo assim, a gente permanece mais  em casa e o apetite fica todo animadinho. É uma dificuldade danada, para os comilões como eu, não exagerar e ficar beliscando o dia inteiro. Especialmente à noite, aquela fomezinha impertinente, mais ansiedade que outra coisa, costuma não dar sossego.
Nessas ocasiões,  um caldinho mais leve  cai muito bem. Ele aquece o peito e todo o corpo, dá uma boa sensação de saciedade e pode ser bem nutritivo, conforme os ingredientes que levar.
O caldo verde não precisa ser gorduroso. Em sua versão mais magra também fica uma delícia. Dispensa-se o bacon e pode-se substituir a linguiça, que normalmente é mais gorda, pelo paio. É uma boa escolha para quem peleja para não sair muito do peso, sem abrir mão do sabor. 
Quer saber como faço, segue abaixo a receita para duas pessoas.

INGREDIENTES
- Quatro batatas médias
- Uma cebola de cabeça
- Quatro dentes de alho
- Duas unidades de paio
- Meia xícara das de chá de azeite de oliva
- Duas folhas de couve, de tamanho médio
- Quatro folhas de espinafre ou agrião
- Quatro ramos de salsa
- Seis folhas de cebolinha
- Um quarto de pimentão verde
- Sal a gosto
- Meio litro de água

MODO DE PREPARO
Descasque e pique as batatas, levando-as para cozinhar na água, juntamente com a cebola de cabeça e o pimentão. Quando estiverem macios, acrescente as folhas de espinafre ou agrião e deixe apenas murchar. Bata essa mistura no liquidificador e reserve.
Pique as folhas de couve bem fininhas. Faça o mesmo com a salsinha e a cebolinha.

Corte os paios em rodelas finas, ou meia lua. Triture bem o alho,  doure-o na metade do azeite e refogue o paio. Despeje por cima a mistura do liquidificador e deixe ferver por dois minutos. Apure o sal. Desligue o fogo e acrescente o restante do azeite, a couve, a salsinha e a cebolinha. Misture e sirva imediatamente para a couve não amarelar.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Dia do Trabalhador – Texto Cheio de Aspas

Recuso-me a comemorar o primeiro de maio como dia do trabalho. Afinal, dia do trabalho é todo dia. Para mim, esse é o DIA DO TRABALHADOR.
Graças à luta de trabalhadores há muitos anos e ao sacrifício de alguns, até com a própria vida, hoje é feriado. Dia para descansar e refletir.
Fomos criados ouvindo em nossas casas que “o trabalho é o pai de todas as virtudes e a ociosidade é a mãe de todos os vícios”. Tem muito mais coisas por trás desse dito popular do que pode imaginar a “nossa vã filosofia”.  
No momento, no Brasil, direitos dos trabalhadores duramente conquistados com anos de luta, encontram-se perigosamente ameaçados pela possibilidade de aprovação da lei de terceirização. O famigerado PL  4330-2004, que  dispõe sobre contratos de prestação de serviços e relações de trabalho foi aprovado na Câmara Federal e encontra-se aguardando apreciação pelo Senado.
Ao mesmo tempo, vemos governos, como os recentes exemplos  dos estados de São Paulo e do Paraná tratar professores em greve à base de cassetete, jatos d´água e bombas de gás. Como expressou Maurício Calheiros em seu blog: “Mais um espetáculo de covardia e desrespeito ao ser humano, desta vez protagonizado pela PM do Paraná, agredindo com extrema violência, professores desarmados. ... tornou-se rotina a repressão violenta e desproporcional contra manifestantes pacíficos, que exerciam o direito constitucional ao protesto.”
Um livro, escrito há mais de cem anos, continua sendo a referência para quem quer entender como o trabalho modificou-se ao longo dos anos, contribuindo para a evolução humana e como se transformou no que é na atualidade. Trata-se do clássico de Frederich Engels, O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem, que, felizmente, encontra-se disponível para quem quiser ter acesso em http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/macaco.pdf.
No momento em que escrevo, sei que muitas empresas estão fazendo churrascos para seus funcionários, distribuindo brindezinhos baratos e promovendo brincadeiras sem graça com as famílias, para, no dia seguinte, continuar tudo como antes, tratando-os, na maior parte das vezes,  com pouca consideração e até desrespeito.
Meu convite hoje, e de todos os dias, é para que estejamos atentos, que não deixemos de refletir sobre os significados por trás de cada gesto e de toda a ação de grupos econômicos, empresariais e políticos e, especialmente sobre o que está subjacente ao discurso de que “aqui somos uma família”, “não temos empregados, mas colaboradores” e outras baboseiras.
Ainda bem que, mesmo nesses nossos tempos conturbados, temos por ai pessoas como Pepe Mujica, por exemplo, ex-presidente e atual senador do Uruguai a nos alertar sobre solidariedade, um dos fundamentos básicos da consolidação do trabalho. E também sobre consumo e pobreza, lembrando que pobre é, principalmente, aquele que trabalha tanto, que acaba não tendo tempo para mais nada.