terça-feira, 30 de abril de 2013

EVA


Há tempos tenho pensado em publicar esse texto do Luiz Fernando Veríssimo que considero uma pérola, verdadeira declaração de amor ao gênero feminino. Veríssimo é mestre não somente na escrita, mas também em um quesito meio fora de moda: a arte do galanteio. Não são poucas as vezes em que ele nos brinda com preciosidades literárias, sem afetações e sempre esbanjando bom humor. 
Adoro textos curtos que dizem muito, tal como o que segue.

EVA
Luiz Fernando Veríssimo  
Na velha questão sobre a origem da humanidade, eu defendo o meio-termo. Um empate entre Darwin e Deus. Aceito a tese darwiniana de que o Homem descende do macaco, mas acho que Deus criou a mulher. E nós somos a conseqüência daquele momento mágico em que o proto-homem, deslocando-se de galho em galho pela floresta primeva, chegou na planície de Éden e viu a mulher pela primeira vez.
 Imagine a cena. O homem-macaco de boca aberta, escondido pela folhagem, olhando aquela maravilha: uma mulher recém-feita. Como Vênus recém-pintada por Botticelli, com a tinta fresca. Eva espreguiçando-se à beira do Tigre. Ou era Eufrates? Enfim, Eva no seu jardim, ainda úmida da criação. Eva esfregando os olhos. Eva examinando o próprio corpo. Eva retorcendo-se para olhar-se atrás e alisando as próprias ancas, satisfeita. Eva olhando-se no rio, ajeitando os longos cabelos, depois sorrindo para a própria imagem. Seus dentes perfeitos faiscando ao sol do Paraíso. E o quase-homem babando no seu galho. E, com muito esforço, formulando um pensamento no seu cérebro primitivo. “Fêmea é isso, não aquela macaca que eu tenho em casa”.
 Há controvérsias a respeito, mas os teólogos acreditam que quando Eva foi criada por Deus tinha entre 19 e 23 anos. E ela reinou sozinha no Paraíso por duas luas. E, instruída por Deus, deu nome às coisas e aos bichos. E chamou o rio de rio e a grama de grama, e a árvore de árvore, e aquele  estranho ser que desceu da árvore  e ficou olhando para ela como um cachorro, de Homem. E quando o Homem sugeriu que coabitassem no Paraíso e começassem outra espécie, Eva riu, concordou só para ter o que fazer, mas disse que ele ainda precisaria evoluir muito para chegar aos pés dela. E desde então temos tentado. Ninguém pode dizer que não temos tentado.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

CHAPLIN ETERNO: Cada vez mais Moderno


Tem pessoas que admiramos tanto, que torna difícil escrever sobre elas. Penso que os comentários ficam comprometidos pela tietagem e acabo me silenciando. Tendo-as colocado em um patamar de semideuses, considero indigna e pequena qualquer tentativa de reverenciá-las.
Nesse categoria incluo o cineasta Charles Chaplin. Na semana passada ele faria aniversário e, desde a data, 16 de abril, ando me remoendo com vontade de escrever este post, porém sem coragem. Peguei tudo que tenho dele  e andei revisitando sites, mas o que escrevia me parecia pouco e, como já disse indigno do seu talento.
Hoje, finalmente, venci o constrangimento, pensando especialmente em meus alunos, alguns dos quais nunca experimentaram assistir seus filmes. Charles Chaplin, em minha opinião é o maior cineasta de todos os tempos. Até porque, além de autor e diretor, era também ator, bailarino e compositor. Sua produção cinematográfica é vasta e inclui diversos clássicos. Nascido em 1889,  Chaplin teve uma infância difícil, chegando a viver nas ruas de Londres. Era filho de artistas e estreou nos palcos com apenas cinco anos de idade. Adulto, migrou-se para os Estados Unidos, onde passou boa parte da vida e produziu a maioria de seus filmes. Depois se refugiou na Suíça, onde morreu na noite  de Natal de 1977.
Difícil dizer quais são seus melhores filmes. Acabei elegendo dois preferidos: Tempos Modernos e Luzes da Ribalta.
Tempos Modernos – Lançado em 1936, o filme questiona o excesso de especialização da produção industrial e critica sua forma desumana e alienante.  Mostra de maneira engraçada, porém não alegre, o domínio das máquinas na vida moderna. Coloca um operário – o eterno Carlitos, vivido por Chaplin, sensível e franzino tentando desajeitadamente sobreviver e se adaptar ao trabalho e às injustiças sociais do século XX.  O filme é uma forte crítica ao capitalismo e aos desumanos métodos de trabalho impostos aos operários após a revolução industrial. Ainda hoje, ele nos leva a refletir a respeito da forma como estamos lidando com os avanços da tecnologia, o modo como temos sido forçados a nos integrar a engrenagens de sistemas produtivos que buscam resultados a qualquer custo.
Luzes da Ribalta - um dos últimos filmes de Chaplin. Estreou em 1952 e provavelmente foi baseado na história do seu pai. Nele, Chaplin interpreta um velho humorista e ator de teatro de nome Calvero, que havia sido um artista famoso, mas passou a beber com frequência e já não encontrava trabalho. Ele salva de uma tentativa de suicídio uma jovem dançarina e cuida dela até que recupere a saúde e recobre o ânimo. Calvero apaixona-se e acaba recuperando também seu amor-próprio e retoma a carreira. No entanto, suas tentativas de voltar a atuar fracassam e ele torna-se uma artista de rua. Chega a retornar ao palco,  mas sofre um ataque cardíaco e morre, assistindo a sua amada (e porque não dizer, sua cria)   dançando  no palco. Há no filme uma cena da qual não me esqueço jamais. Quando pensava esquecido do público, um fã reconhece o artista, chamando-o de grande Calvero. Este, no entanto responde: sou apenas um amador, ninguém vive o suficiente para ser mais do que um aprendiz.
Recentemente foi lançada coleção com vídeos de Chaplin
Como já disse, sou uma tiete de Chaplin. Poderia escrever muito sobre ele que teve uma vida tão rica. Mas acabei descobrindo recentemente um poeminha de nosso poeta maior Carlos Drummond de Andrade, o qual transcrevo aqui, na esperança de despertar entre a meninada de hoje o interesse em conhecer o trabalho desse monstro sagrado do cinema.
Velho Chaplin: as crianças do mundo te saúdam.
Não adiantou te esconderes na casa de areia dos setenta anos refletida no lago suíço.
Nem trocares tua roupa e sapato heroicos pela comum indumentária mundial.
Um guri te descobre e diz;
CARLITO... ressoa o coro em primavera...
...Ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa estrada de pó e esperança.

sábado, 13 de abril de 2013

Transparência na Administração Pública


A busca pela transparência na administração pública não é coisa de hoje. Há os que querem atribuí-la ao gerencialismo instituído na Inglaterra por Margaret Thatcher. No Brasil, accountability, virou palavra da moda no final da década de 1990 e no início dos anos 2000, com Bresser Pereira ditando a teoria da gestão Pública e Fernando Henrique Cardoso dando as cartas no processo de privatização, em nome da eficiência.
Indo além da simples prestação de contas, o princípio da transparência envolve toda uma conduta voltada à clareza dos atos e decisões tomadas pelos agentes públicos. Ele tem origens bem mais antigas. A declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 já previa em seu artigo 15: “A sociedade tem o direito de pedir conta a todo agente público de sua administração”.
A obrigação de prestar contas do agente público não decorre somente do fato de que seus honorários são pagos pelo dinheiro dos contribuintes. Vereadores e prefeitos, assim como os demais políticos eleitos, devem satisfação de todos os seus atos, pela simples e elementar razão de que seus mandatos lhe foram outorgados pelo povo.
A ampliação da divulgação das ações dos governos, em quaisquer esferas, contribui para o fortalecimento da democracia e da cidadania, pois transparência favorece o controle social, permitindo ao povo acompanhar as ações de seus representantes.
No Brasil, a Constituição Federal em seu art. 37 determina que a Administração Pública de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deverá obedecer aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. 
Por aqui, a cultura do sigilo na administração pública e a resistência às mudanças são alguns dos obstáculos à transparência e plena publicidade dos atos dos agentes públicos. Em minha opinião, dois aspectos contribuem para que o agente público resista a adotar uma conduta de total transparência: o despreparo, (gestão pouco profissionalizada) e a falta de ética.  No primeiro caso ele prefere não dar plena publicidade às suas ações e decisões porque elas são fracas administrativamente; já na segunda hipótese, é má-fé mesmo, ou seja, não quer mostrar seus atos porque eles, por sua natureza obscura e algumas vezes ilícita, não devem ser mostrados.
Neste momento em que a Câmara de Vereadores de Viçosa, numa decisão histórica, acaba de alterar seu regimento interno, estabelecendo o voto aberto, um grande passo rumo à transparência foi dado no município. Esperamos que agora o legislativo seja atuante em cobrar do poder executivo uma conduta de total transparência na gestão municipal, e exija publicidade de todas as ações e decisões de prefeito, secretários e demais agentes da administração municipal direta e indireta.
Ou em:

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Mudanças Nossas de Cada Dia


Desde que nascemos elas estão em nossa volta pregadas como a própria pele. Mudanças nos acompanham a todo instante e não deixam de intervir em nossa vida em momento algum. Ainda assim, em grande parte das vezes, esse processo inexorável costuma nos abalar emocionalmente trazendo perturbação e desconforto psicológico.
Heráclito já dizia lá antiguidade: tudo muda, nada permanece. Panta Rhei, ou seja, "tudo flui". Ele constatou a eterna mobilidade da vida e lembrou-nos que nenhum homem entra duas vezes no mesmo rio.
Ainda hoje tantos anos depois, não nos acostumamos ao óbvio: somente a transformação é certeira; a mudança é inerente à vida. Embora racionalmente saibamos disso, nossas estruturas emocionais ainda se abalam diante de  mudanças de cidade, de estado civil, de emprego, ou tantas outras que enfrentamos vida afora.
Cada fração do tempo que podemos medir, os dias, as horas, minutos refletem esse bailar constante das coisas, do amanhecer ao anoitecer. Nada é para sempre, nem mesmo até amanhã. Ou como dizem as músicas: somos mutantes, eterna metamorfose ambulante.
O desconforto que a mudança nos provoca parece ser um alerta de nosso cérebro, a respeito de tudo o que já aprendemos e experimentamos e ao qual, de uma forma ou outra, nos adaptamos. É um aviso sobre os possíveis perigos advindos da necessidade de deixar a “zona de conforto” de uma situação conhecida – mesmo que não seja boa –, para nos aventurarmos nessa penumbra que o novo representa.
Acima de tudo, muitas vezes tal desconforto  representa um desalento diante da constatação de que o controle que temos sobre o ocorre em nossa vida é mínimo. Por isso me aborreço  quando vejo  manuais de autoajuda e gurus picaretas tentando convencer os incautos de que tudo é tão simples: basta que se tenha vontade, para tornar-ser aquilo que se quer ser. 

terça-feira, 2 de abril de 2013

"CARPE DIEM" E MATO NAS RUAS...


É tão curta a nossa passagem pela vida. Mesmo que ela seja longa... Minha avó materna viveu 92 anos e sempre nos dizia: - aproveite a vida, minha filha, que tudo passa tão rápido. Meu Deus, como essa percepção fica clara depois dos cinquenta!
Mas o bravo,  desolador mesmo, é  perceber, a toda a hora, que esse “carpe diem” a que a minha avó se referia, e que muitos devem ter ouvido, não depende apenas de nós. [Aliás, esse tema é tratado lindamente no filme Sociedade dos Poetas Mortos.  Quem não viu, vele a pena].
Tudo  isso são reflexões pra tratar de assunto tão banal, que chego a ter vergonha de falar. Mas é preciso dizer que há montes, aliás, muitas moitas de mato nas ruas. E como isso nos diz respeito, nos incomoda, aborrece, enfim, detona com a nossa tentativa de ter uma vida mais ou menos, porque boa de tudo sabemos que não tem jeito. Doenças existem aos montes, e sempre estão a  incomodar a nós e aos outros (que triste!) e a morte, à espreita,  tão certa, tão danada. Cruz credo, nem é bom pensar.
Por tudo isso, bem que podíamos viver sem esses pequenos aborrecimentos, sem o mato nas ruas, por exemplo.  Bastava apenas que a administração municipal, que é tão efetiva na hora de cobrar impostos, taxas e outras amolações, fizesse a sua parte.
Agora felizmente temos uma lei que determina que os proprietários de terrenos e lotes urbanos sem construção façam seus muros e  calçadas. Ainda bem! E parece que esse pessoal (que, em geral vive de especulação imobiliária), está sendo cobrado e notificado de suas obrigações.
Aqui no meu bairro, muitos já providenciaram o que a lei está exigindo, muros e calçadas nos lotes vagos, têm sido feitos. Mas não basta. A prefeitura tem que fazer a sua parte. Aliás, não esta diretamente, mas o seu preposto, o SAAE – Serviço Autônomo de Água e Esgoto, a quem compete cuidar da limpeza urbana, incluindo a capina das ruas. Cadê essa gente, meu Deus? Por aqui não têm passado. Ou, se o fazem não tem olhos pra ver que o mato está tomando conta das ruas.
O proprietário fez muro e calçada. Cadê a prefeitura, ou o SAAE, com a capina?
 Nossos impostos têm sido cobrados cotidianamente. Na conta de água, as taxas de limpeza urbana nunca são esquecidas. E se nós, pobres mortais, nos esquecermos de pagá-las, por poucos dias que seja, somos, sem piedade, punidos com o mais cruel dos castigos: ficar sem água. Não seria tão melhor se cada um fizesse a sua parte, nessa nossa inglória tentativa de viver um pouco melhor?