Há tempos tenho pensado em publicar esse texto do Luiz Fernando Veríssimo que considero uma pérola, verdadeira declaração de amor ao gênero feminino. Veríssimo é mestre não somente na escrita, mas também em um quesito meio fora de moda: a arte do galanteio. Não são poucas as vezes em que ele nos brinda com preciosidades literárias, sem afetações e sempre esbanjando bom humor.
Adoro textos curtos que dizem muito, tal como o que segue.
EVA
Luiz Fernando Veríssimo
Na velha questão sobre a origem da humanidade, eu defendo
o meio-termo. Um empate entre Darwin e Deus. Aceito a tese darwiniana de que o
Homem descende do macaco, mas acho que Deus criou a mulher. E nós somos a
conseqüência daquele momento mágico em que o proto-homem, deslocando-se de
galho em galho pela floresta primeva, chegou na planície de Éden e viu a mulher
pela primeira vez.
Imagine a cena. O homem-macaco de boca aberta, escondido
pela folhagem, olhando aquela maravilha: uma mulher recém-feita. Como Vênus
recém-pintada por Botticelli, com a tinta fresca. Eva espreguiçando-se à beira
do Tigre. Ou era Eufrates? Enfim, Eva no seu jardim, ainda úmida da criação.
Eva esfregando os olhos. Eva examinando o próprio corpo. Eva retorcendo-se para
olhar-se atrás e alisando as próprias ancas, satisfeita. Eva olhando-se no rio,
ajeitando os longos cabelos, depois sorrindo para a própria imagem. Seus dentes
perfeitos faiscando ao sol do Paraíso. E o quase-homem babando no seu galho. E,
com muito esforço, formulando um pensamento no seu cérebro primitivo. “Fêmea é
isso, não aquela macaca que eu tenho em casa”.
Há controvérsias a respeito, mas os teólogos acreditam
que quando Eva foi criada por Deus tinha entre 19 e 23 anos. E ela reinou
sozinha no Paraíso por duas luas. E, instruída por Deus, deu nome às coisas e
aos bichos. E chamou o rio de rio e a grama de grama, e a árvore de árvore, e
aquele estranho ser que desceu da
árvore e ficou olhando para ela como um
cachorro, de Homem. E quando o Homem sugeriu que coabitassem no Paraíso e
começassem outra espécie, Eva riu, concordou só para ter o que fazer, mas disse
que ele ainda precisaria evoluir muito para chegar aos pés dela. E desde então
temos tentado. Ninguém pode dizer que não temos tentado.
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