terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Diário da Chapada Diamantina – 6. Canoagem no Rio Paraguaçu, Sítio Arqueológico, Cachoeira da Moça Loura e IGATU

Orquídeas, bromélias e costela
de Adão 
 O dia amanheceu nublado depois de uma noite chuvosa. Ainda assim, saímos cedo, pois a programação era intensa. Começamos fazendo um trecho de cerca de 3 km de carro, em estrada de terra, com destino ao Rio Paraguaçu, onde faríamos canoagem. Depois de uma pequena caminhada, em uma trilha fácil e de vegetação muito bonita, pegamos as canoas acompanhados do guia. 
Tucaneiro, profusão dela na trilha para o rio Paraguaçu
Foto: Solange do Carmo
A canoagem é uma prática que exige apenas disposição para remar. O encontro entre o Rio Preto, e o rio Paraguaçu, em Mucugê, é um dos lugares da Chapada mais procurados para isso.  Como chovia, não deu para arriscar a descida pela parte mais  encachoeirada do rio. Ficamos pouco tempo  por lá.
No caminho de volta passamos para visitar um dos sítios arqueológicos da região. Em terras particulares, pertencentes à fazenda Paraguaçu, encontra-se um dos conjuntos de inscrições rupestres, dentre os vários existentes na Chapada Diamantina. O mais famoso deles é o complexo arqueológico Serra das Paridas. Constituído por 18 sítios situa-se no município de Lençóis. O sítio arqueológico Fazenda Paraguaçu  não é sinalizado e parece não merecer a menor importância por parte do poder público. Formado por pinturas  rupestres de milhares de anos,  muitas delas ainda em fase de datação, os desenhos representam animais, figuras geométricas e contem também diversos riscos encadeados que, segundo o guia, indicam processos de contagem adotados pelos povos primitivos que habitaram a região. Especialistas acreditam que essas pinturas possuem cerca de 8 mil anos.
Desenhos pré-históricos, preciosidades

... em local abandonado


É uma emoção sem par ver de perto traços deixados por nossos antepassados de épocas tão remotas. Encantada pela verdadeira viagem no tempo que a visita nos provocou  e, ao mesmo tempo desolada por ver uma preciosidade dessas deixada “ao léu”, sem qualquer vigilância, ou orientação ao visitante. Perplexa. Foi assim que fiquei ao perceber que uma preciosidade dessas encontra-se em local não tombado e sem nenhuma proteção. Indignada em pensar que um maluco qualquer pode danificar aquilo, arrancar as pedras, enfim destruir  algo que é uma experiência única de manter contato com civilizações pré-históricas que viveram no Brasil antes de sua colonização pelos portugueses e das quais ainda pouco ou quase nada sabemos.
Aqui abro um parênteses para lembrar que em minha visita ao Museu Municipal de Mucugê,  vi  referências aos donatários de terras e coronéis que foram os mandachuvas da cidade, mas não vi sequer menção à presença de civilizações pré-cabralianas em terras da Bahia.
Depois rumamos para a Cachoeira da Moça Loura, em trilha de vegetação encantadora, onde nadamos e desfrutamos de águas limpas, mesmo debaixo de uma chuva fininha. De  repente, estando no local, fomos surpreendido por uma música. Era o nosso guia que empoleirado em cima de uma árvore que debruça-se sobre a cachoeira tirava sons de uma folha de feijão preto, árvore típica da região. As tentativas de fazermos igual  foram uma farra. 
 
Quem não merece um guia desses?
Foto: Solange do Carmo

 Regressamos nesse clima e seguimos para Igatu. Uma estrada sinuosa e precária leva ao distrito que fica a cerca de 15 km de Mucugê. A chegada é surpreendentemente arriscada, um despenhadeiro no meio de pedras com curvas acentuadas e pouca visão. No entanto, quando descemos do carro e rumamos a pé para o povoado não restou dúvida de que esse trajeto perigoso vale a pena.
Igatu é composto por um conjunto de casas e outras construções em pedras, quase todas em ruínas. O que restou de uma localidade que chegou a ter cerca de 10.000 habitantes e foi um cenário de riqueza na época áurea da exploração do diamante é hoje um povoado de pouco mais de 300 habitantes.
É um lugar mágico, não dá para descrever a admiração e a magia que tomam conta da gente. Nosso guia sugeriu que almoçássemos no restaurante do Chiquinho, figura peculiar do local. Ele é guia pelas trilhas pouco convencionais da Chapada, foi garimpeiro e acompanha excursões de biólogos e demais estudiosos e pesquisadores que se dirigem ao local. Conhece a fauna e a flora da região como poucos. Apresentou-nos a batata da serra, tubérculo utilizado em saladas. Mostrou-nos a arruda da montanha, um vegetal de folhas verdes escuras que desobstrui as vias aéreas, a partir de uma “cafungada” bem forte. Todos passamos pela experiência e sentimos o efeito imediato com uma respiração mais fluida. Experimentei também a cachaça do Chiquinho nas duas versões que me apresentou: com uvas dos parreirais de Igatu  e com uma raiz nativa chamada “nego forte”. Foi o suficiente para fazer-me ficar ainda mais alegre e cometer o descuido de adoçar o suco com farinha de mandioca e me transformar em alvo das gozações pelo resto do dia.
Almoçamos uma bisteca temperadinha acompanhada de arroz e farofa, além do refogado de palma, típico da Chapada, feitos pela esposa do Chiquinho.
Igrejinha de São Sebastião
Igatu constitui-se em um conjunto de construções em pedras, a maioria em ruínas, dispostas em ruelas estreitas onde carros não circulam. As poucas casas que ainda se mantem em pé e são habitadas, têm suas paredes e muros cobertos de vegetação e musgos e veem-se muitos parreirais de uvas pendendo pelos tapumes (sim, o clima da cidade é frio e propenso ao cultivo da fruta).
A noite já se aproximava mas fomos ver a simpática igreja de São Sebastião, construída em pedra, como tudo no lugar, o cemitério bizantino (sim, em Igatu também tem um, só que menor que o de Mucugê) e a galeria Arte e memória. Aí, o artista plástico Marcos Zacariades mantem seu acervo e expõe obras de outros expoentes da cultura. Há também um museu a céu aberto e um café no local, um charme. Simplesmente encantador.
Igatu que já se chamou Xique-Xique, pelas suas características e aparência, é conhecida como a Machu Picchu baiana.
Conta-se que a maioria das casas encontra-se em ruínas, porque quando o diamante tornou-se escasso no local, os moradores foram abandonando suas residências e os que ficaram continuaram cavando o solo com sofreguidão  a procura de pedras, destruindo a base de muitas edificações. Igatu hoje é quase uma cidade fantasma, sobrevive porque encanta os turistas com sua beleza e sua energia  inigualáveis.
Ruinas de Igatu - Foto: Marcella Pônzio
Ateliê e galeria de arte Marcos Zacariades - Foto: Marcella Pônzio
É, sem dúvida, um lugar para voltar mais vezes. Se soubesse que era tão bacana teria reservado pelo menos um dia inteiro para passar no local. Assim como disse que se não tivesse visto mais nada na Chapada além da planta Drossera, a viagem teria valido a pena, repito em relação a Igatu: se não tivesse visitado nenhum outro lugar,  apenas por Igatu o passeio à Chapada Diamantina teria se justificado.


Além de tudo soubemos que Igatu possui o melhor carnaval da região. Pode ser mais um bom motivo para voltar, ou para ir, no caso dos que não conhecem.

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