segunda-feira, 30 de julho de 2018

RESENHA DE LIVRO - BELCHIOR Apenas um Rapaz Latino Americano, de Jotabê Medeiros, Editora Todavia, 2017.


Embora alardeasse que era apenas um rapaz latino americano, Belchior era um letrista refinado; um poeta de primeira hora, que teve sua formação básica em um mosteiro, onde leu clássicos e estudou filosofia.
A leitura de sua biografia quase inevitavelmente leva-nos a constatar o que o próprio Belchior já alertava: “Qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”. Era como se tivesse nos avisado previamente, qualquer livro sobre mim, será sempre muito menor do que eu.
O autor, que é jornalista e crítico musical, conversou com colegas, amigos e produtores de Belchior, para produzir a biografia que foi publicada  apenas quatro meses após a morte do compositor; os trabalhos de pesquisa e entrevistas que embasaram a construção da biografia, começaram com Belchior ainda vivo, e parecem ter sido motivados pelo “desaparecimento” do compositor.
As diversas fases da vida do compositor, da infância à morte, são relatadas praticamente em ordem cronológica. Em 15 capítulos, alguns com títulos que transcrevem partes das letras das canções do biografado, há relatos sobre os anos em que ele viveu internado em um mosteiro, onde estudou línguas, literatura e filosofia. Consta que nesse local, tenha se habituado ao silêncio e à instrospecção,  preparando-se para uma vida religiosa que nunca se concretizou.
Foto Dayze Magalhães Gonçalves

Nos anos 1970, o jovem compositor cearense migrou para o Rio e Janeiro e depois para São Paulo. E muito cedo ganhou destaque como artista, vencendo festivais de músicas e tendo suas composições interpretadas por vozes famosas como as de Elis Regina e Roberto Carlos, por exemplo. Em pouco tempo concretizou uma carreira sólida e muitas vezes solitária.
Comentários e interpretações interessantes do cancioneiro do Belchior enriquecem o livro, que mais parece uma análise de sua produção musical, do que propriamente uma biografia. O mérito maior do livro está em revelar, ou melhor acentuar a riqueza poética das sofisticadas composições do autor.
Pouco esclarecedores quanto aos motivos que levaram ao afastamento de Belchior, vários depoimentos mencionados no livro deixam a impressão que o  seu propalado sumiço, (que, de resto, não foi assim tão definitivo), nada mais era do que um legítimo desejo do artista, de viver em paz  e sossegado, longe do assédio de bisbilhoteiros . Ou que o poeta tinha pouca vocação para lidar com as ferozes exigências de um mundo excessivamente institucionalizado e ávido por lhe transformar em um produto fácil de mercado. Isso fica evidente no episódio que relata o assédio ao artista para fazer propaganda de automóvel, em troca de cachê milionário, o que foi, prontamente rechaçado por ele.  
O autor tratou como desaparecimento, o provável ostracismo voluntário do artista. No entanto, reportagens divulgaram sua passagem por diversas cidades do sul do Brasil e do Uruguai, no tempo em que esteve distante dos noticiários. Neles veem-se Belchior e sua enigmática companheira quase sempre fugindo do assédio e da curiosidade da imprensa.
Belchior foi muito maior do que a sua primeira biografia pode mostrar. Esta pareceu-me um relato um tanto acelerado de um gênio capaz de compor preciosidades do quilate de Como Nossos Pais, Mucuripe, Paralelas e tantas outras.
A biografia registra que o compositor que era “alegre como um rio, um  bicho, um bando de pardais”, num tempo em que “havia galos noites e quintais”, que dizia que “amar e mudar as coisas” era o que lhe interessava  estava a desenhar, a pintar quadros e dedicava-se a traduzir, para uma linguagem popular, A Divina Comédia , de Dante.
Ao final, fica a impressão que o compositor, assim como alertara em uma de suas letras geniais, “Não me peça que faça uma canção como se deve, correta, branca, suave, muito limpa, muito leve...” queria ter nos falado: não me peçam que viva uma vida como se deve, correta, branca, muito limpa muito leve.
O livro deixa uma lacuna ao não  revelar as possíveis razões que levaram o compositor a optar por uma vida errante e misteriosa, praticamente recluso, morando muitas vezes de favor em casas cedidas por amigos e fãs. O autor deixa mal explicadas as relações familiares do rapaz latino-americano, tanto com pais, irmãos e irmãs, bem como com os filhos e ex-mulheres.  A biografia peca também, em minha opinião, por não comentar a respeito do destino e do paradeiro das obras de Belchior, especialmente quadros e desenhos, produzidos nos últimos anos de sua vida.  
A mim,  que fui com muita sede ao pote, ao final, a biografia pareceu-me uma construção um pouco apressada sobre a trajetória de um dos maiores gênios da música popular brasileira de todos os tempos.

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