Logo
cedo veio a notícia triste da morte de Belchior.
Brasileiro,
nordestino, cantador de feira e repentista, desceu para o sudeste e derramou
seu talento por este país, sem parcimônia. Suas músicas foram gravadas por
Elis, Fagner e outras grandes vozes. Suas composições embalaram muitos sonhos
da minha geração e continuam a traduzir sentimentos e emoções de minhas filhas
e de seus amigos que gostam de poesia e de boa música.
Garimpando
em solo rico, passei boas horas revendo as canções desse gigante da MPB. É uma
preciosidade atrás da outra. Difícil elaborar uma seleção. Fui pinçando versos,
na tentativa de obter uma amostra do que foi a farta criação de Belchior.
Não
poderia deixar de começar por Mucuripe, para mim, a mais meiga de todas as suas
canções, poesia singela e comovente, coisa de grandes poetas.
“Calça
nova de riscado
Paletó
de linho branco
Que
até o mês passado
La
no campo inda era flor.” (Belchior, em Mucuripe).
A
beleza brotava fértil em suas letras, uma construção mais rica que a outra. Ouvindo
Belchior, a gente se pega perguntando como seria feio e sem graça o mundo sem
poesia.
“Não me peça que lhe
faça uma canção como se deve
Correta,
branca, suave, muito limpa, muito leve
Sons,
palavras, são navalhas e eu não posso cantar como convém
Sem
querer ferir ninguém” (Belchior em Apenas um rapaz latino americano).
Como
todo poeta e compositor, Belchior era também um bom filósofo. Nunca deixou de questionar a impotência humana,
e permitiu que a dor escorresse sem
parcimônia em suas letras fortes.
“O
que é que pode fazer o homem comum
Neste
presente instante senão sangrar?
Tentar
inaugurar
A
vida comovida inteiramente livre e triunfante” (Belchior,
em Conheço o meu lugar).
Suas composições são feitas de versos
que nos parecem palavras espontâneas, brotando repletas de beleza em suas
letras. Traduzem o indizível, aquilo que
ele chamou lindamente de “coisas sem jeito”.
“Eu estou muito
cansado de não poder
De
não poder falar palavra
Sobre
essas coisas sem jeito
Que
eu trago no meu peito” (Belchior em Todo
sujo de batom).
Perito com as palavras era mestre na
arte de fazer brotar versos leves, compostos com metáforas e rimas despretensiosas,
que podem parecer simples, mas que não surgiriam
a não ser de um pensamento genial.
“...Eu era alegre como um
rio,
Um
bicho, um bando de pardais,
Como
um galo, quando havia
Quando
havia galos, noites e quintais”. (Belchior em
Galos, Noites e quintais).
Quem não gostaria de ter escrito esses
versos?
“Quero
gozar no seu céu, pode ser no seu inferno.
Viver
a divina comédia humana onde nada é eterno”.
(Belchior em Divina Comédia Humana).
As relações humanas, as interações
familiares e seus difíceis consensos, seus inevitáveis conflitos, palpitavam em
suas composições que tocam na gente de maneira singular.
“No
centro da sala, diante da mesa
No
fundo do prato comida e tristeza
A
gente se olha, se toca e se cala
E
se desentende no instante em que fala” (Belchior,
em Hora do Almoço).
E o seu grande desejo, qual era? A
julgar pelos versos a seguir, não muito diferente do sonho de todos as pessoas
de bem.
“Amar e mudar as coisas,
Amar e mudar as
coisas me interessa mais”
(Belchior em Alucinação).
(Belchior em Alucinação).
Nos últimos anos o compositor fez aquilo
que já ocorreu a muitos de nós: sumir do mapa, desaparecer sem deixar rastros. Provavelmente
não terá sido uma decisão fácil, pouco sofrida. Aliás, em uma de suas
composições ele já deixava o recado:
“Se
você vier me perguntar por onde andei
No
tempo em que você sonhava
De
olhos abertos lhe direi
Amigo
eu me desesperava” (Belchior em A Palo
Seco).
Essa
pequena amostra do repertório vasto e rico do compositor, pode ter resultado em
um tosco mosaico, elaborado com remendos grosseiros e despropositais. Quis fazê-lo
na esperança de despertar, nos mais jovens principalmente, o interesse em
conhecer a obra de Belchior. Espero que pessoas mais hábeis tenham feito uma
reverência mais digna ao grande compositor.
Linda homenagem.
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