quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O AVESSO DAS COISAS, O AVESSO DA GENTE


 «Quando for grande, não quero ser médico, engenheiro ou professor.
... Quero brincar de manhã à noite, seja no que for.
Quando for grande, quero ser um brincador” (
Álvaro Magalhães, em O Brincador, Edições Asa).


Certa vez disse Rubem Alves: “Todos têm direito, procure um advogado; todos têm avesso, procure um psicanalista”. Depois de algumas tentativas, ando bem descrente da capacidade desse profissional de ajudar-me a amenizar meu lado obscuro. Então cunhei uma frase diferente: todos têm direito de esconder o seu avesso.
Tenho brincado de ser artista e o material das minhas criações são tecidos, retalhos, rendas, fitas e que tais.  Alguns dizem das minhas criações: bordados. Sendo  filha, neta e sobrinha de bordadeiras  penso que não posso adotar esse rótulo,  porque não domino as técnicas do bordado. E também porque, bons bordadores fazem  bonito não somente no lado certo, mas compõem o avesso perfeito.
Árvore da Saudade - bordado livre
A arte é um exercício de libertação. Mostrar as criações é deixar-se enxergar por inteiro, expor-se até as entranhas. Antes das composições com retalhos, gosto de escrever. Costumo dizer que quando escrevemos, por exemplo,  é como se tirássemos a roupa. E ao publicarmos, ficamos  nus em público. Voltando à psicanálise e aos retalhos, arte é também  e, em grande medida, subconsciente.  E eu que não dou conta de fazer direito nem o lado certo, como posso pretender fazer bonito o avesso?
Estou envolvida em um projeto de descrever memórias de infância por intermédio de linhas e agulhas. Trata-se de uma tentativa de registrar lembranças por meio do bordado livre, sem desenho prévio, nem técnica pré-estabelecida. É um trabalho longo.
Sei que não ficará pronto logo, aliás nem sei se em algum momento ficará plenamente acabado. Memórias e lembranças assemelham-se a  novelos. Quando começam a ser desenrolados, podem criar emaranhados, laçadas e nós  difíceis de serem desatados.
Neste final de semana andei revestindo com retalhos de rendas, letras que compõem o nome do blog. A primeira tentativa foi de utilizar cola. Não foi a primeira vez que tentei e desisti de usar esse material. Definitivamente não me dou bem com colagens. Agulhas e  linhas são minhas companheiras mais dóceis e eu,  sendo  uma dominadora assumida, acabo voltando a elas. Com  elas brinco melhor.

O Escritório vai tomando outra cara
Minha brincadeira ficou uma lindeza e está enfeitando a grande estante que cobre uma parede inteira do meu escritório de ex-professora. Que, aos poucos  abre espaço para abrigar as minhas brincadeiras e vai  se transformando. Assim como a sua dona, essa  camaleoa mambembe,   que  mostra seus escritos, seus retalhos, suas entranhas, seu direito torto e, quando não consegue esconder, deixa à mostra seu avesso mais que imperfeito.

Um comentário:

  1. Adorei, menina!
    E nessa "árvore da saudade", em que você arteia tão bem, eu encontro a minha saudade nos "ingazeiros" da estrada que nos fazia chegar à "casa de tio Eugênio".
    Mas no texto (lindo!!!) você ainda consegue distinguir o "direito" do "avesso". Eu não consigo ver a realidade das coisas e das pessoas divididas assim; pra mim é tudo um avesso só! Não um avesso com sentido negativo, mas um avesso estrutural e conjuntural que fala do que somos e do que poderemos vir a ser e que nos remete a um mundo de incompletudes que nos convida a agir! Precisamos nos encontrar para alimentar assa saudade que insiste em viver em nós e que é muito amada porque nos remete à nós mesmas e ao universo de lembranças que só a nós nos pertence! Abraços e até breve! Parabéns! Beijos da prima que a ama, Ana Maria.

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