Na viagem a que me referi no último post aqui no blog,
conheci um conterrâneo que sabe de muitas histórias. A primeira impressão que
tive do Loninho é que ele era bem caladão e que não gostava de conversas. Mas
era só coisa de mineiro. Quando se sentiu à vontade, mostrou um bom repertório, no
qual prevaleceram os casos de cobras. Imaginei logo que vinha coisa curiosa e
engraçada. Temos as mesmas origens e lá pelos lados de Guaraciaba, têm histórias de cobras que
não acabam mais.
A primeira que o Loninho contou confirma a crença que cobra,
além de bicho bastante perigoso, é muito traiçoeiro. Disse ele que lá na roça
uma vez, certo rapaz encontrou um filhotinho de cobra tão pequenino e frágil,
que teve pena do coitadinho. Mesmo sabendo do risco que corria, pois era uma cascavel, resolveu alimentá-la até que crescesse um pouco e pudesse se virar
sozinho. Assim fez, dando leite ao
bichinho numa pequena mamadeira. O filhote cresceu sadio e mansinho e nunca
incomodou ninguém. Ocorreu que tempos depois, o rapaz teve que ir embora pra
São Paulo pra trabalhar e ganhar a vida, como muitos fizeram e ainda fazem lá
na região onde nasci. Ninguém nunca mais viu a cobra, até que seis anos depois
o rapaz retornou para visitar os parentes. Ao atravessar a porteira, na chegada
do sítio onde morara, a danada da cobra
estava enrodilhada no batente da porteira e, de um golpe certeiro, avançou na
jugular do seu benfeitor, que caiu na
hora, para nunca mais levantar.
– Mas pode ter sido
outra cobra e não a que ele criou, argumentei.
- Não, foi a mesma, todo mundo viu que foi a mesma, rebateu o Loninho.
- Mas, se for da mesma raça, cobra é tudo igual, como vai
saber que foi a mesma?
- É igual, mas é diferente, dá pra reconhecer.
Era a cobra que ele havia criado sim. E até hoje, lá na porteira tem a cruz que aponta o lugar exato onde o infeliz foi atraiçoado pela maldita.
Diz o Loninho que “com
cobra não se brinca”. E que se por
acaso, alguém tentar matar uma e não conseguir, apenas machucando-a, ela
volta pra se vingar. Pode passar o tempo que for, que retorna pra picar justamente aquele que
a ofendeu. Por isso, golpes para matar cobras têm que ser certeiros. Relata que, certa vez, mãe e
filha tentaram matar uma cobra e não conseguiram. Quando retornaram à casa, o bicho
apareceu na cozinha já “com o bote
armado” para atacar. Felizmente elas foram mais espertas e, dessa vez, acabaram com o bicho.
Nessas alturas digo a ele (doutrinada pela minha filha, bióloga e ecologista convicta), que agora não pode mais matar cobra, que é
crime ambiental. O Loninho concorda, diz que não pode mesmo não. Se o bicho estiver no terreiro, por exemplo, ou junto com
as criações, representando perigo, tem que pegar e soltar no mato, bem longe, ele diz: “Solta no mato, mas mata primeiro”,
Histórias de cobras são tantas, que se pode escrever
longamente sobre elas. Creio que delas a lenda mais conhecida seja aquela que conta que,
quando criança recém nascida não está pegando peso e continua muito raquítica é
porque tem cobra mamando o leite da mãe. A danada entra à noite, pelas frestas
das portas, ou das janelas, aconchega-se no leito da criança, coloca o rabo em sua
boca e suga o leite materno, deixando a criança à míngua. Essa história é famosa
e foi mostrada no filme Tapete Vermelho de uma maneira bastante engraçada.
Que cobra é bicho muito perigoso e traiçoeiro todo mundo sabe. Por isso tantas analogias são feitas entre esses bichos e
determinados comportamentos humanos. Quem nunca ouviu dizer, por exemplo, que “Fulano
é cobra criada”?
Certa vez, ainda quando ocupava o cargo de diretora de uma
grande instituição, andava com uma gastrite que incomodava. Procurei um médico
homeopata e acupunturista, que foi certeiro.
- Tem engolido muitos sapos? Perguntou-me o doutor.
- É... fazem parte do meu trabalho, respondi.
Pois então, explicou-me o clínico: quem é “cobra”, engole sapo todo dia
e não acontece nada, digere fácil. Mas, pessoas sensíveis como você, não
possuem essa capacidade. Então desenvolvem gastrites, úlceras e a outros males
decorrentes dessa atividade tão indigesta.
Dizem lá na roça que São Bento é o protetor contra as cobras
e outros animais peçonhentos. No geral, ao entrar no mato, as pessoas se benzem, pedindo pela sua proteção. Por via das dúvidas, não custa nada invocar o santo também nos ambientes
de trabalho. Afinal de contas, como ensina a sabedoria popular, cobras estão
por todos os lados, mesmo nos mais improváveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário