Olá!
Poucas vezes publico no blog textos de outros autores. Gosto de mostrar
meus próprios escritos, mas às vezes a gente se depara com algo do qual se
gosta tanto (e por que não dizer também, identifica-se tanto), que é o caso de
deixar nossas próprias palavras de lado e divulgar essas preciosidades. O texto
da vez é técnico, mas como é relacionado à gestão de recursos humanos, creio
interessar a muita gente. Muito além de meus estudantes e colegas de profissão,
penso que vários leitores vão gostar dessa postagem. Tenho uma
forte tendência pelo humanismo e pelos modelos de gestão menos deletérios à
saúde e à sanidade física dos empregados. Parece não ser o caso da tão propalada
Gestão Japonesa de Produção.
O texto foi retirado de livro Práticas de Recursos Humanos, uma das
bibliografias utilizadas na disciplina que ministro. A fonte está identificada
ao final.
“KAROSHI
Quando se pensa no Japão, logo se
imagina um país de pessoas disciplinadas, trabalhando para manter no mercado
produtos de alta qualidade e desenvolvidos com tecnologia de ponta. Seus
modelos de produção enxutos, como o just
in time, kaisen e Kanban, promovem
a eficiência e a produtividade, e são admirados e copiados mundialmente. Porém,
essa gestão japonesa de produção (GJP), que tenta reduzir ao máximo os
“desperdícios” – de tempo, de insumos, de pessoal, de equipamentos, de espaço –
esconde uma faceta obscura, pouco conhecida pelos estrangeiros. O fenômeno
denominado Karoshi ou, traduzido literalmente, “morte por excesso
de trabalho”, demonstra a real dedicação necessária dos empregados para manter
a GJP um modelo de eficiência: longas jornadas e cargas exaustivas de trabalho,
horas extras, turnos dobrados e rotinas irregulares, tudo sem descanso
apropriado, e muitas vezes sob grande pressão.
O primeiro caso de Karoshi relatado data de 1969, quando um
empregado de 29 anos da maior empresa jornalística do país morreu de derrame.
Foram necessários cinco anos para a família receber indenização, e ainda hoje
receber a compensação pela morte do trabalhador é um procedimento árduo.
Segundo o Manual Confidencial do Ministério do Trabalho, é necessário provar
que a vítima trabalhou continuamente por 24 horas anteriores à morte ou
trabalhou no mínimo 16 horas por dia por sete dias consecutivos antes de
morrer.
Parece que as empresas japonesas não se contentam em possuir as mais
longas jornadas de trabalho do mundo desenvolvido. As estatísticas oficiais
indicam que os japoneses cumprem 2.168 horas por ano, enquanto os americanos
cumprem 1.949 horas e os alemães, 1.642 horas; mas o Conselho Nacional de
Vítimas de Karoshi estima que o trabalhador médio japonês cumpre
2.600 horas por ano (50 horas semanais),
com alguns ultrapassando 3.120 horas anuais (60 horas semanais). Essa
discrepância entre o que é relatado e o que verdadeiramente ocorre na prática
surge pelo fato de muitas empresas desobedecerem às leis de pagamento de horas
extras, obrigando-as a mentirem sobre as cargas horárias.
São atribuídos à cultura os motivos para os japoneses “se matarem de
trabalhar”, mas os pesquisadores Nichiyama e Johnson (1997) acreditam que o karoshi é um elemento inerente à GJP; afinal, o
descanso das pessoas e dos equipamentos são desperdícios de tempo, que o
sistema despreza. A ameaça de demissão também é um fator importante: em 1991,
foi julgado o caso de um empregado da Hitachi
Company que, em 1967, foi ordenado a estender cinco horas além de sua
jornada normal de trabalho, mas, por ter marcado compromissos previamente,
recusou-se a ficar. Ele completou o trabalho no dia seguinte, fazendo horas
extras, mas a sua decisão anterior fez com que fosse demitido por questões
disciplinares.
Os funcionários são submetidos, dessa forma, a uma escolha: a demissão
ou a morte por “lealdade à empresa”. A questão remanescente é: vale a pena os
lucros da empresa se sobreporem à saúde e á vida dos funcionários? E tais
lucros não irão se exaurir à medida do tempo? Sem dúvida, GJP é um modelo
eficiente de produção, com muitos aspectos a serem admirados e adotados. Mas um
novo sistema, que reconhece também a importância dos ativos humanos, base de
sustentação de qualquer empresa, se torna um objeto de estudo necessário e
urgente.”
MISONO, Leyla Naomi. Karoshi. In:
FRANÇA, M. C. L. Práticas de Recursos Humanos. São Paulo: Atlas, 2007, p. 191.
Aqui no Brasil, sei que uma fábrica de caminhões da VW, em Resende-RJ, adota este método japonês de gestão da produção. Umas oito empresas se comprometem a entregar seus produtos na linha de produção, já montados, "just in time". E quando ocorre qualquer atraso, os trabalhadores têm que se desdobrarem, fazendo horas-extras em excesso, desumano às vezes, para que seus empregadores saiam bem na fita. Sempre assim: os trabalhadores que se explodam !!!
ResponderExcluirTexto muito pertinente e com reflexões importantes.
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