quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Gestão Japonesa de Produção - O que há por trás de mais esse modismo.

Olá!
Poucas vezes publico no blog textos de outros autores. Gosto de mostrar meus próprios escritos, mas às vezes a gente se depara com algo do qual se gosta tanto (e por que não dizer também, identifica-se tanto), que é o caso de deixar nossas próprias palavras de lado e divulgar essas preciosidades. O texto da vez é técnico, mas como é relacionado à gestão de recursos humanos, creio interessar a muita gente. Muito além de meus estudantes e colegas de profissão, penso que vários leitores vão gostar dessa postagem. Tenho uma forte tendência pelo humanismo e pelos modelos de gestão menos deletérios à saúde e à sanidade física dos empregados. Parece não ser o caso da tão propalada Gestão Japonesa de Produção.
O texto foi retirado de livro Práticas de Recursos Humanos, uma das bibliografias utilizadas na disciplina que ministro. A fonte está identificada ao final.

“KAROSHI
            Quando se pensa no Japão, logo se imagina um país de pessoas disciplinadas, trabalhando para manter no mercado produtos de alta qualidade e desenvolvidos com tecnologia de ponta. Seus modelos de produção enxutos, como o just in time, kaisen e Kanban, promovem a eficiência e a produtividade, e são admirados e copiados mundialmente. Porém, essa gestão japonesa de produção (GJP), que tenta reduzir ao máximo os “desperdícios” – de tempo, de insumos, de pessoal, de equipamentos, de espaço – esconde uma faceta obscura, pouco conhecida pelos estrangeiros. O fenômeno denominado Karoshi  ou, traduzido literalmente, “morte por excesso de trabalho”, demonstra a real dedicação necessária dos empregados para manter a GJP um modelo de eficiência: longas jornadas e cargas exaustivas de trabalho, horas extras, turnos dobrados e rotinas irregulares, tudo sem descanso apropriado, e muitas vezes sob grande pressão.
O primeiro caso de Karoshi  relatado data de 1969, quando um empregado de 29 anos da maior empresa jornalística do país morreu de derrame. Foram necessários cinco anos para a família receber indenização, e ainda hoje receber a compensação pela morte do trabalhador é um procedimento árduo. Segundo o Manual Confidencial do Ministério do Trabalho, é necessário provar que a vítima trabalhou continuamente por 24 horas anteriores à morte ou trabalhou no mínimo 16 horas por dia por sete dias consecutivos antes de morrer.
Parece que as empresas japonesas não se contentam em possuir as mais longas jornadas de trabalho do mundo desenvolvido. As estatísticas oficiais indicam que os japoneses cumprem 2.168 horas por ano, enquanto os americanos cumprem 1.949 horas e os alemães, 1.642 horas; mas o Conselho Nacional de Vítimas de Karoshi  estima que o trabalhador médio japonês cumpre 2.600 horas por ano (50 horas  semanais), com alguns ultrapassando 3.120 horas anuais (60 horas semanais). Essa discrepância entre o que é relatado e o que verdadeiramente ocorre na prática surge pelo fato de muitas empresas desobedecerem às leis de pagamento de horas extras, obrigando-as a mentirem sobre as cargas horárias.
São atribuídos à cultura os motivos para os japoneses “se matarem de trabalhar”, mas os pesquisadores Nichiyama e Johnson (1997) acreditam que o karoshi  é um elemento inerente à GJP; afinal, o descanso das pessoas e dos equipamentos são desperdícios de tempo, que o sistema despreza. A ameaça de demissão também é um fator importante: em 1991, foi julgado o caso de um empregado da Hitachi Company que, em 1967, foi ordenado a estender cinco horas além de sua jornada normal de trabalho, mas, por ter marcado compromissos previamente, recusou-se a ficar. Ele completou o trabalho no dia seguinte, fazendo horas extras, mas a sua decisão anterior fez com que fosse demitido por questões disciplinares.
Os funcionários são submetidos, dessa forma, a uma escolha: a demissão ou a morte por “lealdade à empresa”. A questão remanescente é: vale a pena os lucros da empresa se sobreporem à saúde e á vida dos funcionários? E tais lucros não irão se exaurir à medida do tempo? Sem dúvida, GJP é um modelo eficiente de produção, com muitos aspectos a serem admirados e adotados. Mas um novo sistema, que reconhece também a importância dos ativos humanos, base de sustentação de qualquer empresa, se torna um objeto de estudo necessário e urgente.”

MISONO, Leyla Naomi. Karoshi. In: FRANÇA, M. C. L. Práticas de Recursos Humanos. São Paulo: Atlas, 2007, p. 191.


2 comentários:

  1. Aqui no Brasil, sei que uma fábrica de caminhões da VW, em Resende-RJ, adota este método japonês de gestão da produção. Umas oito empresas se comprometem a entregar seus produtos na linha de produção, já montados, "just in time". E quando ocorre qualquer atraso, os trabalhadores têm que se desdobrarem, fazendo horas-extras em excesso, desumano às vezes, para que seus empregadores saiam bem na fita. Sempre assim: os trabalhadores que se explodam !!!

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  2. Texto muito pertinente e com reflexões importantes.

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