Aviso aos navegantes: esse é um post bem intimista, mas não pude deixar de compartilhar o grande privilégio que vivenciei no último final de semana.
Ontem foi um domingo muito especial para a minha
família. Nossa matriarca completou cem anos. Embora eu não seja uma descendente
direta dela, mas uma colateral (sobrinha), sou sua afilhada
de batismo e sinto-me como se fosse. Na ausência da minha mãe, sou sua filha. Não é
assim que reza a tradição?
Tia e Madrinha Nenen - 100 anos de generosidade |
Mais velha de uma família de 14 irmãos, embora
tenha nome de flor, ninguém lhe chama Margarida, poucos sabem dele. Seu apelido
de Neném, conferido em criança, colou tanto que um século não conseguiu
desfazer. Penso que nenhum outro cairia tão bem àquele semblante suave de olhos
azuis e muita doçura. No entanto, sem abrir mão da fortaleza, porque as
mulheres da família são bem descritas por aquelas palavras atribuídas a Che Guevara: “... endurecer, sem
perder a ternura jamais”. Herança da minha avó, Vitorina, uma guerreira, que
chegou bebê nessa terra Brasil, vinda de além-mar com seus pais, camponeses,
não colonizadores, conforme me lembra a prima Ana Maria, verdadeira historiadora
da família. Por excesso de modéstia, essa danadinha não se anima a transformar
essa história em um livro, como é o desejo de muitos de nós e como tenho lhe
pedido por mais de uma vez.
Infelizmente a casa do córrego da Saudade, onde
nasci (e que tenho colado em mim, até no nome do blog), já não existe, e o
terreno não está mais com a família. Obstinado com a educação dos filhos, meu
pai teve que fazer escolhas que não lhe permitiram conservar seu pedacinho tão
querido. Mas ao retornar à casa onde ele nasceu e que foi palco das
brincadeiras de infância de uma legião de primos, não tenho como não me reimpregnar de memórias. Por isso peço perdão aos meus poucos leitores por hoje me alongar
um pouco mais do que o habitual e fazer um relato tão intimista.
Cruz enfeitada de papel de seda na entrada casa. Primos na varanda. |
São bons e necessário esses retornos, por
intermédio dos quais nos reapropriamos minimamente de nossas histórias, que o
tempo, esse cruel e impiedoso algoz, vai arrancando-nos sem parcimônia e com
pressa, levando partes do que não queremos deixar de ser.
Melhor quando podemos voltar e encontrar
praticamente intacto aquele espaço que representa pedaços significativos de nossas
melhores lembranças. Temos que agradecer muito aos nossos primos por manterem
aquela casa de mais cem anos, rústica e sólida, praticamente intocada, pois ao permitir-nos retornar
a ela, concedem-nos essa preciosa e necessária dádiva de realimentar a alma.
Altar armado no terreiro: toalhas bordadas pela família, flores colhidas no jardim da casa |
Vou mencionar apenas alguns poucos retalhos do que
ontem revivi, para encher de inveja os que não puderam vir ao encontro e
mostrar um pouquinho de histórias à meninada de agora. Começo pela cruz de madeira, enfeitada com
papel de seda na entrada da casa, e relaciono
os seguintes, apenas como exemplos, pois
seria impossível registrar tudo:
- a missa celebrada no terreiro, com altar
enfeitado com toalhas brancas em ponto cruz feitas pelas bordadeiras da família
e arranjos de flores colhidas no jardim da casa, repleto de roseiras, copos de
leite, lírios da paz e até alfavaca, que eu não via há muitos anos;
- o pé de
sabugueiro, com o qual faziam chás para tratar nosso sarampo infantil, lindo e
florido nessa época do ano;
Sabugueiro, medicinal ou ornamental? |
- as folhagens, muitos vasos delas, enfeitando a enorme
varanda de madeira, que na nossa infância parecia ainda maior;
Folhagens enfeitam a varanda |
- a galinha empoleirando-se na estaca do curral ao cair da tarde calorenta;
Até a agalinha comemorava. |
- as quitandas oferecidas no lanche ao final da
missa, às quais não pude apreciar, porque tive que sair às pressas; e a sanfona e
a viola que iam começar logo em seguida.
Quitandas... quitutes. |
Belíssima saudação, belíssimo texto. Parabéns a toda a Zidorada e, em especial, à D. Neném! Parabéns Maria Inês!
ResponderExcluirMaria Inês:
ResponderExcluirA emoção se apoderou de mim! Você impregnou de história cada palavra, fazendo com que, ainda que não pretendesse, esse texto se tornasse de cada um de nós,”Zidoros” dessa maravilhosa família! Permita-me essa apropriação e esse gozo que seu texto nos traz.
Você, essa menina faceira, tinhosa, sabida... soube revelar em palavras o sentimento, a um só tempo, contido e estampado em cada gesto, sorriso, olhar...
Parabéns! Que venham outros momentos alegres como esse! E que estejamos todos reunidos, compartilhando a festa, a vida e a oportunidade de ser feliz!
Abraços da prima e amiga, Ana Maria.