segunda-feira, 20 de outubro de 2014

CEM ANOS NA FAMÌLA NÃO É TODO DIA QUE SE TEM

Aviso aos navegantes: esse é um post bem intimista, mas não pude deixar de compartilhar o grande  privilégio que vivenciei no último final de semana.

Ontem foi um domingo muito especial para a minha família. Nossa matriarca completou cem anos. Embora eu não seja uma descendente direta dela, mas uma colateral (sobrinha),  sou sua afilhada de batismo e sinto-me como se fosse. Na ausência da minha mãe, sou sua filha. Não é assim que reza a tradição?
Tia e Madrinha Nenen - 100
anos de generosidade
Foi um daqueles dias em que a gente reaviva a memória “na carne”,  impregna-se novamente das histórias, reapropria-se de  tradições até o pescoço, enfim...

Mais velha de uma família de 14 irmãos, embora tenha nome de flor, ninguém lhe chama Margarida, poucos sabem dele. Seu apelido de Neném, conferido em criança, colou tanto que um século não conseguiu desfazer. Penso que nenhum outro cairia tão bem àquele semblante suave de olhos azuis e muita doçura. No entanto, sem abrir mão da fortaleza, porque as mulheres da família são bem descritas por aquelas palavras  atribuídas a Che Guevara: “... endurecer, sem perder a ternura jamais”. Herança da minha avó, Vitorina, uma guerreira, que chegou bebê nessa terra Brasil, vinda de além-mar com seus pais, camponeses, não colonizadores, conforme me lembra a prima Ana Maria, verdadeira historiadora da família. Por excesso de modéstia, essa danadinha não se anima a transformar essa história em um livro, como é o desejo de muitos de nós e como tenho lhe pedido por mais de uma vez.
Infelizmente a casa do córrego da Saudade, onde nasci (e que tenho colado em mim, até no nome do blog), já não existe, e o terreno não está mais com a família. Obstinado com a educação dos filhos, meu pai teve que fazer escolhas que não lhe permitiram conservar seu pedacinho tão querido. Mas ao retornar à casa onde ele nasceu e que foi palco das brincadeiras de infância de uma legião de primos, não tenho como não me reimpregnar de memórias. Por isso peço perdão aos meus poucos leitores por hoje me alongar um pouco mais do que o habitual e  fazer um relato tão intimista.
Cruz enfeitada de papel de seda na entrada casa. Primos na varanda.

São bons e necessário esses retornos, por intermédio dos quais nos reapropriamos minimamente de nossas histórias, que o tempo, esse cruel e impiedoso algoz, vai arrancando-nos sem parcimônia e com pressa, levando partes do que não queremos deixar de ser.
Melhor quando podemos voltar e encontrar praticamente intacto aquele espaço que representa pedaços significativos de nossas melhores lembranças. Temos que agradecer muito aos nossos primos por manterem aquela casa de mais cem anos, rústica e sólida,  praticamente intocada, pois ao permitir-nos retornar a ela, concedem-nos essa preciosa e necessária dádiva de realimentar a alma.
Altar armado no terreiro: toalhas bordadas pela
família, flores colhidas no jardim da casa

Vou mencionar apenas alguns poucos retalhos do que ontem revivi, para encher de inveja os que não puderam vir ao encontro e mostrar um pouquinho de histórias à meninada de agora.  Começo pela cruz de madeira, enfeitada com papel de seda na entrada da casa,  e relaciono  os seguintes, apenas como exemplos, pois seria impossível registrar tudo:
- a missa celebrada no terreiro, com altar enfeitado com toalhas brancas em ponto cruz feitas pelas bordadeiras da família e arranjos de flores colhidas no jardim da casa, repleto de roseiras, copos de leite, lírios da paz e até alfavaca, que eu não via  há muitos anos;
-  o pé de sabugueiro, com o qual faziam chás para tratar nosso sarampo infantil, lindo e florido nessa época do ano;
Sabugueiro, medicinal ou ornamental?

- as folhagens, muitos vasos delas, enfeitando a enorme varanda de madeira, que na nossa infância parecia ainda maior;
Folhagens enfeitam a varanda

- a galinha empoleirando-se na estaca do curral ao cair da tarde calorenta;
Até a agalinha comemorava.
- as quitandas oferecidas no lanche ao final da missa, às quais não pude apreciar, porque tive que sair às pressas; e a sanfona e a viola que iam começar logo em seguida.
Quitandas... quitutes.
E o melhor de tudo: a possibilidade do encontro. Essa realmente não tem preço. Rever parentes e amigos que não se encontra há tempos, relembrar  histórias, abraçar tios e primos, conhecer seus filhos, netos, bisnetos, como é bom! O sentimento de pertencimento que nos proporciona o encontro com essas pessoas, tão indissociáveis de nós, desperta na gente um enorme senso de gratidão que faz um grande bem. Obrigada e parabéns, tia e madrinha Neném pelos seus  100 anos de generosidade e desprendimento. E a seus filhos, primos queridos: Benedita, Maria (in memorian), Dorvina, Vitorina, Manoel, Ana, Efigênia e José Carlos, por preservarem com tanto zelo nossas memórias e tradições.  E fazerem a festa no local, e do jeitinho que a sua mãe gosta (e nós também) e não como "os tempos modernos pedem". Fazer parte dessa história com vocês e toda Zidorada é motivo de muito orgulho.

2 comentários:

  1. Belíssima saudação, belíssimo texto. Parabéns a toda a Zidorada e, em especial, à D. Neném! Parabéns Maria Inês!

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  2. Maria Inês:
    A emoção se apoderou de mim! Você impregnou de história cada palavra, fazendo com que, ainda que não pretendesse, esse texto se tornasse de cada um de nós,”Zidoros” dessa maravilhosa família! Permita-me essa apropriação e esse gozo que seu texto nos traz.
    Você, essa menina faceira, tinhosa, sabida... soube revelar em palavras o sentimento, a um só tempo, contido e estampado em cada gesto, sorriso, olhar...
    Parabéns! Que venham outros momentos alegres como esse! E que estejamos todos reunidos, compartilhando a festa, a vida e a oportunidade de ser feliz!
    Abraços da prima e amiga, Ana Maria.

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