quarta-feira, 17 de setembro de 2014

CRÔNICAS DO DIA A DIA - Delícias e Contratempos de se Ter um Sítio ou uma Chácara

Faz bastante tempo li um livrinho bacana chamado A Arte de Amolar o Boi, de  Eduardo Almeida Reis, que relatava com detalhes as amarguras e alegrias dos proprietários de sítios. Com um estilo leve e bem humorado, alertava aos que imaginavam   um recanto rural apenas como fonte de alegrias e prazeres, o quanto essa visão idílica era enganosa. Lembrava que tais propriedades costumavam ser também fonte de “dores de cabeça”.  Se não me engano esse livro foi escrito  na década de 1980.
De lá pra cá, muita coisa mudou. A começar pela grande valorização dos terrenos, o que levou à fragmentação das antigas fazendas em pequenos sítios ou chácaras. Aqui na nossa região, fazendas são raras. Nas poucas que sobreviveram, o cheiro de agrotóxicos, rações e dejetos de animais, criados em regime de confinamento, substituiu aquele aroma gostoso de mato e de curral de boi que sentíamos em nossa infância. As fazendas de antigamente ficaram apenas na memória, como lugares bucólicos onde se desfrutava de uma vida mais sossegada e feliz. Fazenda hoje é outro negócio. 
Foto: Luiz Henrique do Carmo
Estou falando dos corajosos e idealistas que mantém seu pedacinho de terra, sítios ou chácaras, que os utilizam geralmente para o lazer e encontros da família e que os conservam em nome de uma memória renitente de suas origens, ou da de seus pais.
Alguns dos perrengues para esses teimosos são ainda os mesmo de antigamente: erva de passarinho brota numa velocidade impressionante no alto das árvores, tiririca infesta sem piedade a horta e o pomar. Na seca tudo torra, a poeira levanta fácil;  nas águas, é barro por todo o lado, mato cresce de uma semana para a outra. Frequentemente, encanamentos se rompem, telhados se deterioram, madeirame é atacado por cupins, animais arrombam os tapumes, ladrões visitam a propriedade...
Porém, agora temos uma situação que não se vivenciava no Brasil, há anos: pleno emprego, ou quase. Está cada vez mais difícil e mais caro encontrar pessoas para trabalhar. Bastante compreensível. Quem tem ideia do que é “puxar enxada” debaixo de sol, ou bater pasto à foice por horas seguidas? E fazer uma cerca de arame farpado,  ganhando cinquenta reais por dia?
Então, muitas vezes, se queremos manter nosso amado recanto em condições razoáveis, temos que gastar bastante e por a mão na massa. Falo de cadeira. Vivo com as mãos calejadas e, diversas vezes, já me machuquei com ferramentas de corte. E, quase sempre, temos a sensação de que a chácara não está tão bem cuidada como gostaríamos, mesmo quando há muitas pessoas da família dando a sua colaboração.
Mas, especialmente em períodos como esse de agora, início da primavera, a passarada em alvoroço, sabiás cantando mais do que nunca, canarinhos em bando a pastar no gramado, os manacás em flor espalhando seu doce perfume, muitas orquídeas abertas, ah! Nossas memórias afetivas tão acesas, difícil vivenciar sensação melhor. Quando sentamos pra descansar da trabalheira, raramente achamos que não vale a pena. Ao contrário, sabemos que amanhã mesmo haverá muito trabalho a ser feito, mas como abrir mão dessas belezuras?

Um comentário:

  1. Ei Maria Inês, Já até comprei um kit de irrigação por gotejamento. Logo que ele chegar, vou testar e dar minha opinião. Abração, Manoel

    "Ao contrário, sabemos que amanhã mesmo haverá muito trabalho a ser feito, mas como abrir mão dessas belezuras."

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