Neste semestre, com muito
orgulho fui escalada para ministrar a disciplina Administração de Recursos
Humanos, área com a qual tenho muita afinidade, alguma formação e larga
experiência. Ensinar em escolas de nível superior é um desafio enorme. Na graduação ficam evidentes as
deficiências e precariedades do ensino fundamental e médio, bastante
generalizadas país afora. Uma das mais evidentes é a limitada capacidade de
reflexão dos estudantes.
Dia desses, expressei aos alunos
que o meu grande desejo, ou melhor, meu
objetivo, não é o de repassar-lhes
técnicas e métodos de recrutamento, seleção, cargos e salários e outros tópicos
inerentes ao programa da disciplina, mas sim, incentivá-los a refletir e a desenvolver
um pensamento crítico a respeito do que é publicado em livros, revistas e, especialmente, em
sítios na internet.
O campo da Administração é
repleto de modismos. Infelizmente alguns autores e pretensos intelectuais da
área não raramente assumem posição de defendê-los e replicá-los,
apresentando-os, por vezes, como soluções milagrosas para os incontáveis desafios
da gestão das organizações.
Há alguns anos os textos de
administração, de maneira geral, têm apresentado o processo de terceirização
como o milagre da vez. Felizmente, nas áreas do Direito e da Sociologia
principalmente, tem aparecido vozes dissonantes, lembrando que toda vez que a
concorrência aumenta e os lucros tendem a diminuir, empresários de maneira
geral, reagem com propostas de redução
de custos, que atingem direitos dos trabalhadores, como é o caso da
terceirização.
Essa, em muitas situações, não
passa de mera intermediação de mão-de-obra, destinando a empresários parte dos
recursos que deveriam ser direcionados ao pagamento do trabalhador. Os efeitos
são, quase sempre, deletérios sobre as condições de trabalho.
Juízes do trabalho têm
considerado que a terceirização é uma forma selvagem de precarização das
relações de trabalho. Segundo o Dr. Grijalbo
Fernande Coutinho, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça
do Trabalho, “A terceirização tem dois propósitos muito evidentes: o econômico e
o político. Sua razão econômica é permitir aos patrões a diminuição de custos
com a exploração da mão de obra. Vários argumentos são usados no sentido de que
se trata de especialização, de racionalização, mas tudo isso é secundário. A
outra razão é a de cunho político. Nesse
ponto o objetivo é dividir os trabalhadores, fragmentá-los, especialmente em
suas representações sindicais”. Para ele, a terceirização é um duro golpe contra
direitos do trabalho, conquistados por trabalhadores em sua história
de lutas, desde o fim da escravidão.
Uma amiga, assistente social e trabalhadora do setor da saúde, lembra que, ainda dentro do propósito político e, no caso de instituições públicas, há a vertente politiqueira, que usa a terceirização para contratar apadrinhados sem precisar submetê-los a concurso público, garantindo um contingente de pessoas que são utilizadas como massa de manobra.
O golpe da terceirização aparece sob diversas
faces. Observe-se, por exemplo, o que vem acontecendo em bancos oficiais.
Delegam-se às Casas Lotéricas e Pag-Fácil, geralmente pequenas lojas comerciais
com pouca ou nenhuma estrutura de segurança, os serviços de menor complexidade
como pagamentos de contas e boletos, retiradas de saldos e saques. As pessoas que
trabalham nessas empresas recebem salários baixíssimos e, geralmente, não
possuem quaisquer benefícios adicionais. No entanto, prestam serviços similares
aos dos bancários que, por serem uma categoria de trabalhadores organizada e
detentora de direitos duramente alcançados, no geral, atuam sob melhores condições,
auferindo salários mais respeitosos e possuindo, em grande parte das vezes,
benefícios complementares importantes, patrocinados pelos bancos.
Tal situação, embora não
caracterize uma terceirização expressa, pois os funcionários das lotéricas não
trabalham “dentro” dos bancos, como a maioria dos trabalhadores terceirizados,
constitui forma de gerar economia para essas organizações, enquanto submete os trabalhadores a condições precárias
de trabalho.
Convidando meus alunos a
refletirem sobre os processos de terceirização, creio tê-los incentivados a ficarem
mais atentos ao discurso prevalecente, repetido
por livros, revistas de negócios e outros meios de comunicação. Ao trazer o tema ao blog, estendo aos meus
leitores o convite à reflexão sobre o assunto, mostrando um pouquinho do outro
lado da moeda, geralmente excluído da literatura da administração.
É possível ver mais sobre o
assunto em:
http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/comunicacao/noticia/info/NoticiaWindow?action=2&destaque=false&cod=804550
A terceirização de hoje lembra bem os "gatos" - arrebanhadores de nordestinos, em petição de miséria, para a colheita de café ou o corte da cana de açúcar, no sudeste - do passado. Traziam os pobres coitados em meios de transporte da pior espécie (caminhões pau-de-arara e, mais recentemente, ônibus aos cacos), davam-lhes, quando davam(!), comida pouca e de baixíssima qualidade, a habitação nas fazendas eram "barracas de lona preta", sem nenhuma condição higiênica e todas as compras de mantimento tinham que ser feitas com o "patrão" fazendeiro, que vendia tudo a preços abusivos. Os "gatos", em verdade, vendiam e entregavam a mercadoria (nordestinos) nos seus destinos. E terminavam aí o seu compromisso. Ao final da colheita, os pobre coitados não tinham nem recursos para voltar para o nordeste, quem dirá alguma poupança para sobreviver o resto do ano. Não raro, os prefeitos do sudeste, alugavam os mesmos ônibus para levá-los de volta ao seu lugar de origem. Isto lhes(aos prefeitos) era mais interessante do que manter, em seus municípios, uma horda de trapos humanos perambulando sem ter o que comer, nem onde morar!!! Esta situação perdura até hoje, em menor escala. Em 2012, tive oportunidade(?) de dar carona à uma família nordestina (pais e uma filha de uns 16-17 anos, grávida) que ía de Abre Campo para Manhuaçu, onde habitavam um barracão. Tinha ido a Abre Campo, na esperança de encontrar outros parentes que pudessem dar-lhes alguma comida. Não os encontraram. Voltavam para Manhuaçu, com fome, sem um puto de um centavo. Não tive alternativa senão pagar-lhes um prato de comida. Mas isto não é suficiente, eu sei!!! É duro confessar, mas deixei-os em Manhuaçu, ao Deus dará!!!
ResponderExcluirPerfeito Manoel Vieira, obrigada.
ExcluirMuito boa reflexão Maria Inês, mas vale ressaltar que as organizações estão entendendo que a terceirização não é uma opção tão vantajosa para elas, visto que os trabalhadores estão mais atentos aos seus direito e tem exigido-os das organizações que contratam empresas terceirizadas, fazendo com que a organização tenha maia ônus do que bônus. Mas acredito que isso venha a acontecer mais em organizações privadas onde o lucro e o custo são prioridade máxima.
ResponderExcluirNão é, Patrícia? Muitas estão percebendo que o que deixam de pagar ao trabalhador, passam para o atravessador.
ResponderExcluirConcordo plenamente. Parabéns pelo texto e idéias, são magníficas.
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