ESSA CASA
SOU EU
Não resisti a parodiar o rei, quando dia desses me peguei
refletindo sobre a minha, a nossa casa, esse “melhor lugar do mundo”, que,
querendo deixar, muitas vezes, nos prendemos.
Que fique de fora, claro, qualquer pretensão de análise psicanalítica, todavia, por vezes resvalo. Pois não é que os
danados dos pensamentos surgem num instante qualquer devagarinho e passam a nos
perseguir com tal constância, que, ah!, deixar de pudores e escrever sobre
eles, é mesmo uma catarse.
Assim neste período em que tenho cogitado bastante deixar meu
canto e experimentar viver noutros lugares, embora já venha exercitando o
desapego até com algum resultado, me
pego amarrada nesse espaço que não somente é meu: Sou eu. Pois nele estou toda e
em cada canto.
Que negócio difícil esse de tentar reconstruir-se a partir de estar em um novo lugar! Não serão apenas memórias, (Ah Proust!). Como Cecília, pergunto por
simples canteiros (“Quem me compra um jardim com flores? Borboletas de muitas
cores, ... passarinhos,...?”). Tonta, ando a querer saber quanto isso vale. E
me perco diante de uma razão sem lógica. “E este sapo que é jardineiro? E a cigarra e a
sua canção? E o grilinho dentro do chão?”.*
- Claro que não! Não é sobre preço ou valor que penso.
Quanto valem os calos das mãos, a casinha da cachorra que já não está?!. E o frio do escritório, onde passei horas estudando
estatística com amigas que se mudaram?
Se deixar meu canto, minha mesa, podem desprender-se de mim essas lembranças e não
quero ficar sem elas. Ando pensando que se for embora, como quero, como preciso,
vou ser mais depressa outra pessoa e não sei se desejo sê-lo, apesar de,
mesmo aqui, ser inevitavelmente, outra a cada momento. (Ah!, de novo, ah!, Hiroshima Meu amor!).
Amiga do peito me diz: - desapego. Li essa cartilha, gostei
dos seus ensinamentos e incorporei muitos deles, principalmente depois de perder meu pai e minha irmã. Mas beija-flores marrons me visitam de manhã e são
Ana, magra, ágil, bonita e amante das flores que vem me dar bom dia, como me
mostrou outra amiga, generosamente
espiritualizada e capaz de palavras tão consoladoras.
ESSA CASA SOU EU. Pois fiz a escolha do lugar e o elegi por
ter uma área de preservação ambiental em frente. Afinal sou do mato, (Ah, Juca
Mulato! “Juca olhou a floresta: os ramos, nos espaços, pareciam querer
apertá-lo entre os braços... Por isso o que vale ir fugitivo e esmo buscar a
mesma dor que trazes em ti mesmo?”). **
Desde o início houve um encantado encontro com a arquiteta que
soube interpretar minhas buscas e as traduziu em varandas que dão para canteiros, cozinha
grande e janelas generosas, pisos fáceis
de limpar e diversos outros detalhes que requeri. Essa vivência também está em mim, e tornou-se gosto que,
a partir da magnífica experiência de construir uma casa, não me largou mais
e, certamente nunca me deixará.
Tudo isso virou eu nesse tempo de antes e de agora. Ânsia não, apenas um desejo, vem me falar da possibilidade de novos apegos em outros tempos e lugares e tenho ficado assim, assim, com vontade, mas sem saber.
Tudo isso virou eu nesse tempo de antes e de agora. Ânsia não, apenas um desejo, vem me falar da possibilidade de novos apegos em outros tempos e lugares e tenho ficado assim, assim, com vontade, mas sem saber.
Poemas citados disponíveis em:
**A Voz das Coisas: http://www.jornaldepoesia.jor.br/mpicchia03p.html
Compreendo seu apego e sua angústia ao questionar tantas razões, feitas de emoções tão fortes e verdadeiras, próprias de quem sabe amar, e, amando,não tem como deixar escapar...
ResponderExcluirQue depoimento, hem amiga! De fazer sacudir o coração de gente que, como nós, também sentimos assim! Obrigada por esse presente! Beijos.
É porquê ali estão sua melhores e mais intensas memórias. Os detalhes remetem a referências passadas e o todo diz quem você é. Aí que reside a fragilidade e, ao mesmo tempo, a beleza do patrimônio. Não se preocupe, não há risco de perdê-lo. Nem de perder-se, pois ele se alimenta de raízes. Sendo estas fortes e profundas, como as suas, a casa será sempre um lar. Onde quer que você vá, seu patrimônio será preservado!
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