terça-feira, 4 de junho de 2013

CRÕNICAS DO DIA A DIA

ESSA CASA SOU EU

        Não resisti a parodiar o rei, quando dia desses me peguei refletindo sobre a minha, a nossa casa, esse “melhor lugar do mundo”, que, querendo deixar, muitas vezes, nos prendemos.
       Que fique de fora, claro, qualquer pretensão de análise psicanalítica,  todavia, por vezes resvalo. Pois não é que os danados dos pensamentos surgem num instante qualquer devagarinho e passam a nos perseguir com tal constância, que, ah!, deixar de pudores e escrever sobre eles, é mesmo uma catarse.
        Assim neste período em que tenho cogitado bastante deixar meu canto e experimentar viver noutros lugares, embora já venha exercitando o desapego até com algum resultado,  me pego amarrada nesse espaço que não somente é meu: Sou eu. Pois nele estou toda e em cada canto.
         Que negócio difícil esse de tentar  reconstruir-se a partir de  estar em um novo lugar! Não serão apenas memórias,  (Ah Proust!). Como Cecília, pergunto por simples canteiros (“Quem me compra um jardim com flores? Borboletas de muitas cores, ... passarinhos,...?”). Tonta, ando a querer saber quanto isso vale. E me perco diante de uma razão sem lógica.  “E este sapo que é jardineiro? E a cigarra e a sua canção? E o grilinho dentro do chão?”.*
         - Claro que não! Não é sobre preço ou valor que  penso. Quanto valem os calos das mãos, a casinha da cachorra que já não  está?!. E o frio do  escritório, onde passei horas estudando estatística com  amigas que se mudaram? Se deixar meu canto, minha mesa, podem desprender-se de mim essas lembranças e não quero ficar sem elas. Ando pensando que se for embora, como quero, como preciso, vou ser mais depressa outra pessoa e não sei se desejo sê-lo, apesar de, mesmo aqui, ser inevitavelmente, outra a cada momento.  (Ah!, de novo, ah!, Hiroshima Meu amor!).
         Amiga do peito me diz: - desapego. Li essa cartilha, gostei dos seus ensinamentos e incorporei muitos deles, principalmente  depois de perder meu pai e minha irmã. Mas  beija-flores marrons me  visitam  de manhã e são Ana, magra, ágil, bonita e amante das flores que vem me dar bom dia, como me mostrou outra amiga,  generosamente espiritualizada e capaz de palavras tão consoladoras.
        ESSA CASA SOU EU. Pois fiz a escolha do lugar e o elegi por ter uma área de preservação ambiental em frente. Afinal sou do mato, (Ah, Juca Mulato! “Juca olhou a floresta: os ramos, nos espaços, pareciam querer apertá-lo entre os braços... Por isso o que vale ir fugitivo e esmo buscar a mesma dor que trazes em ti mesmo?”).**
          Desde o início houve um encantado encontro com a arquiteta que soube interpretar minhas buscas e  as  traduziu em varandas que dão para canteiros, cozinha grande e janelas generosas,  pisos fáceis de limpar e  diversos outros detalhes que requeri. Essa vivência também está em mim, e tornou-se gosto que, a partir da magnífica experiência de construir uma casa, não me largou mais e, certamente nunca me deixará.
          Tudo isso virou eu nesse tempo de antes e de agora. Ânsia  não,  apenas um desejo,  vem me falar da possibilidade de novos apegos em outros tempos e lugares e tenho ficado assim, assim, com vontade, mas sem saber.

Poemas citados disponíveis em:      
*  Leilão de Jardim:  http://www.revista.agulha.nom.br/ceciliameireles05.html#leilao                                                                                                                           

   

2 comentários:

  1. Compreendo seu apego e sua angústia ao questionar tantas razões, feitas de emoções tão fortes e verdadeiras, próprias de quem sabe amar, e, amando,não tem como deixar escapar...
    Que depoimento, hem amiga! De fazer sacudir o coração de gente que, como nós, também sentimos assim! Obrigada por esse presente! Beijos.

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  2. É porquê ali estão sua melhores e mais intensas memórias. Os detalhes remetem a referências passadas e o todo diz quem você é. Aí que reside a fragilidade e, ao mesmo tempo, a beleza do patrimônio. Não se preocupe, não há risco de perdê-lo. Nem de perder-se, pois ele se alimenta de raízes. Sendo estas fortes e profundas, como as suas, a casa será sempre um lar. Onde quer que você vá, seu patrimônio será preservado!

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