“E
vejo e peço
Dias
de Outras cores...” (Caetano Veloso em Noite de Crital)
Árvore brasileira, inspiração cerrado |
Este ano pede um Natal com celebrações singelas. Vamos substituir nossas
reuniões maiores, festivas e animadas por encontro mais íntimo apenas entre os
residentes na mesma casa. Creio que, entre nós, os cristãos, nem mesmo uma
pandemia como a que estamos vivendo, justificaria deixar a data passar completamente
em branco.
Aqui, além da celebração religiosa, compõem esse ritual de fim de ano, as tradições, os costumes e as crenças de família. Eles retornam para nos lembrar quem somos, para que não esqueçamos onde estão fincadas nossas raízes, por mais que distanciemos delas.
Mesmo que a indústria e o
comércio, com suas artimanhas intensivas vivam a nos massacrar dizendo que o
Natal é um tempo de comprar e consumir cada vez mais, teimamos em
manter as tradições e os costumes e as nossas crenças que nos direcionam. Valorizamos
um paninho bordado a mão, um santinho de barro, um arranjo de flores colhidas do nosso jardim,
uma comida caseira, entre tantas outras delicadezas.Cerrado inspira presépio
O que pode ser melhor e mais
reconfortante, que os afetos nesses tempos de espanto, nesse turbilhão de
incertezas e indefinições como são os dias atuais?
Dias no preparo dos figos de Natal |
Tudo pode ser mais delicado ainda,
se houver uma apresentação de Caetano Veloso, como a que acabamos de assistir
pelas redes sociais. Ele esteve sereno e com o olhar quase triste, mas com sua poesia e sua música maravilhosas e uma presença marcante nesse espetáculo intimista, sem o
excesso de sons e cores, habituais em apresentações de grandes artistas em fins de ano.
Um cenário minimalista, o palco só
seu. Caetano foi-se reafirmando grande
na simplicidade, exaltou e recebeu em participação cada um de seus filhos;
babou para os netos, relembrou e enalteceu amigos. Recordou com afeto suas
origens, sua brasilidade. Falou de presépio, de infância e de cheiro de pitanga.
Lembrou e cantou Assis Valente, denunciando, mais uma vez, nossa enorme desigualdade
social: “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel”.
Em celebrações de fim de ano,
costumamos pensar sobre essa entidade vaga, “tempo, tempo, tempo, tambor de
todos os ritmos”. Caetano o tempo todo, destilou poesia e nos fez refletir: “Existirmos,
a que será que se destina... ?” e não nos permitiu esquecer que “Gente quer ser feliz...
Gente é para brilhar, não para morrer de fome”.
Generoso e modesto, o artista sabe que é um dos maiores dos tempos modernos.
Todavia, foi incapaz de deixar escapulir uma faísca sequer de arrogância, de
altivez exagerada. Fez, merecidamente uma declaração de amor a “Sua branquinha,
seu irmão” a mulher que lhe assegura a sustentação necessária para se manter ativo e moderníssimo, com quase oitenta anos de idade.
Ele disse ao iniciar o relato de
suas memórias de Natal que via “em torno da manjedoura, o mundo”. Nessa
apresentação transmitida pela internet, vimos em torno de Caetano, o mundo. Gratidão.
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