terça-feira, 22 de dezembro de 2020

TEMPOS DE NATAL SINGELO. TEMPO DE CAETANO

  

“E vejo e peço

Dias de Outras cores...” (Caetano Veloso em Noite de Crital)

 

Árvore brasileira, inspiração cerrado

Este ano pede um Natal com  celebrações singelas. Vamos substituir nossas reuniões maiores, festivas e animadas por encontro mais íntimo apenas entre os residentes na mesma casa. Creio que, entre nós, os cristãos, nem mesmo uma pandemia como a que estamos vivendo, justificaria deixar a data passar completamente em branco.

Aqui, além da celebração religiosa, compõem esse ritual de fim de ano, as tradições, os costumes e as crenças de família. Eles retornam para nos lembrar quem somos, para que não esqueçamos onde estão fincadas nossas raízes, por mais que distanciemos  delas.

Mesmo que a indústria e o comércio, com suas artimanhas intensivas vivam a nos massacrar dizendo que o Natal é um tempo de comprar e consumir cada vez mais, teimamos em manter as tradições e os costumes e as nossas crenças que nos direcionam. Valorizamos um paninho bordado a mão, um santinho de barro,  um arranjo de flores colhidas do nosso jardim, uma comida caseira, entre tantas outras delicadezas.

Cerrado inspira presépio

Reafirmamos nossa crença de que celebrar o Natal é armar o presépio e enfeitar a árvore, pensar no cardápio, preparar aqueles doces que demoram dias sendo elaborados. E, mesmo sendo somente para o pessoal de casa, animar-se a  escolher a melhor toalha, buscar aquela louça reservada, porque a época de Natal é, antes de tudo um tempo de dedicação e amor. E de expressar gratidão.

O que pode ser melhor e mais reconfortante, que os afetos nesses tempos de espanto, nesse turbilhão de incertezas e indefinições como são os dias atuais?

Dias no preparo dos figos de Natal

Tudo pode ser mais delicado ainda, se houver uma apresentação de Caetano Veloso, como a que acabamos de assistir pelas redes sociais. Ele esteve sereno e com o olhar quase triste, mas com sua poesia e sua música maravilhosas e uma presença marcante nesse espetáculo intimista, sem o excesso de sons e cores, habituais em apresentações de grandes artistas em fins de ano.

Um cenário minimalista, o palco só seu.  Caetano foi-se reafirmando grande na simplicidade, exaltou e recebeu em participação cada um de seus filhos; babou para os netos, relembrou e enalteceu amigos. Recordou com afeto suas origens, sua brasilidade. Falou de presépio, de infância e de cheiro de pitanga. Lembrou e cantou Assis Valente, denunciando, mais uma vez, nossa enorme desigualdade social: “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel”.

Em celebrações de fim de ano, costumamos pensar sobre essa entidade vaga, “tempo, tempo, tempo, tambor de todos os ritmos”. Caetano o tempo todo, destilou poesia e nos fez refletir: “Existirmos, a que será que se destina... ?” e não nos permitiu esquecer que “Gente quer ser feliz... Gente é para brilhar, não para morrer de fome”.

Generoso e modesto, o artista  sabe que é um dos maiores dos tempos modernos. Todavia, foi incapaz de deixar escapulir uma faísca sequer de arrogância, de altivez exagerada. Fez, merecidamente uma declaração de amor a “Sua branquinha, seu irmão” a mulher que  lhe assegura a  sustentação necessária para se manter ativo e moderníssimo, com quase oitenta anos de idade.  

Ele disse ao iniciar o relato de suas memórias de Natal que via “em torno da manjedoura, o mundo”. Nessa apresentação transmitida pela internet, vimos em torno de Caetano, o mundo. Gratidão.

 

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