Nos dias em que a vida dói mais,
como é corriqueiro nesses fechamentos de ciclos, me apego à
ancestralidade e imagino raízes, tentando uma sustentação que sei impossível. Tempestades
e abalos gerais são comuns nesse período.
A despedida desse tempo me remete
aos feijões. Com poucos grãos, na primavera fiz o canteiro e a leguminosa
germinou com fartura. É em seus pés que tento, inutilmente, me sustentar. Eles sequer
possuem galhos e as ramas amareladas pendem de uma planta tenra, frágil como quem
lhe cultiva. As vagens soltam grãos brilhantes e sadios que vão me alimentar
com seu caldo cor de sangue.
Em um tempo em que os feijões não
davam em prateleiras do supermercado, via meu pai chegando em casa suado, o
cansaço ostensivo. Era o fim da semana de trabalho e dessa vez, ele trazia nas mãos um único pé de feijão do qual brotaram
50 vagens. Ele atravessara as ruas da cidade pequena, empoeirada e
triste. Naquele ano, a cultura tinha sido do manteigão: grãos brancos, e grandes. Era alimento,
mas era apenas uma amostra. As vagens robustas pendiam de uma planta quase
mortiça, cujos galhos mal se viam transformados em frutos. Neles a terra se
transformara percorrendo invisível e silenciosamente pelos veios do pé de
feijão.
Nesses dias despedidosos meu pai aparece
plantando roças e contando histórias, a alimentar
suas crias, com feijão e sonhos. Sua presença é uma saudade no isolamento voluntário
que me ofereço, deixando mais evidente a impossibilidade de não me curvar à imposição
dessa tirana que vive a rondar todos os quintais.
Há algum tempo era quase
insuportável escutar o silêncio de meu pai, que se ausentava devagarinho. Havia gotas de suor e nenhuma lágrima. Seu corpo magro
tinha fome de tabaco e nenhum ânimo para a comida. Estava entregue à dor
e sem disposição para a morfina que sacrificava suas veias. Era já quase um
vulto, exercitando a forçosa entrega, impossibilitado de seguir sem a fantasia da qual se alimentava.
Continua sendo essa, a sua lição mais
difícil de aprender. A força e a coragem silenciosa de render-se ao desamparo inevitável
sem queixas e sem resistência. Como o pé de feijão, de cujas vagens robustas,
que se abrem ao menor toque, deixa surgir os grãos vermelhos de sangue e vida.
Meu pai e a terra. Ele e minha
mãe.
Belo texto, Maria Inês. Bela metáfora. Grande abraço.
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