Uma menina de cerca de 13 anos de idade, que gosta de brincar com os
moleques nas ruas do subúrbio onde mora, no Rio de Janeiro na década de 1930, é
obrigada pelo pai a casar-se, porque teria sido vista “se pegando” com um jovem
alguns anos mais velho do que ela.
Elza Soares alega que era uma briga, onde os dois rolavam pelo chão,
todavia o pai não viu assim e tomou imediatas providências para efetivar o
casamento.
Somente ao final da biografia, feita com declarada paixão e escrita pobre, pelo jornalista Zeca Camargo, confirmamos a ideia que parece um consenso: assim como a data do seu
nascimento e o episódio que resultou no seu primeiro casamento, a vida de Elza Soares
comporta muitas polêmicas.
Biografada e autor não tentam disfarçar uma constatação que, em alguma
medida, empobrece a trajetória dessa diva. Mesmo que o contexto do início de
sua carreira não lhe deixasse alternativas, repetir à exaustão que o único motor da
carreira de mais de setenta anos da artista sempre foi a necessidade de ganhar
dinheiro, não deixa de representar certo choque para os fãs de Elza.
O relato contém episódios já conhecidos e
amplamente divulgados da vida da biografada, como o começo
como operária em uma fábrica de sabão, o trabalho como empregada
doméstica e em um manicômio, onde roubava latas de goiabada e pacotes de biscoito
para levar para casa e alimentar seus filhos.
A hoje diva da música brasileira estreou sua aventura musical em um
programa de calouros comandado por Ary Barroso, na antiga rádio Tupi. O “sonho de ficar rica”
significou praticamente ter de abandonar
os filhos, para fazer shows e temporadas fora do Brasil no início da carreira.
Contar a história de uma mulher inegavelmente talentosa, portadora de
uma voz inconfundível, corajosa, ousada e vaidosa não deve ter sido fácil. Ela conviveu com a nata da classe
artística, desde os anos 1950, e, mesmo enfrentando diversos preconceitos, esteve com Grande Otelo, gravou com Caetano Veloso, compartilhou histórias com Chico
Buarque e Cazuza e trabalhou com ícones da música atual como seu Jorge; apresentou-se em
palcos importantes de boa parte do mundo e continua ativa, apesar das limitações da idade.
A biografia não esconde a enorme vaidade e a necessidade de ostentação, que marcaram a
vida da artista e se acentuaram durante o período em que esteve casada com
Garrincha. Foi exibindo roupas caras, carros
de luxo e morando em casas que não podia pagar, que Elza chegou a ter uma vida quase
errante. O livro não tenta esconder suas fragilidades, inclusive seu envolvimento com drogas, logo após a morte seu filho com Garrincha.
Um dos maiores méritos da artista, bem mostrado na biografia, tem sido sua
capacidade de reinventar-se e
atualizar-se constantemente experimentando novos ritmos, além do samba que a
consagrou originalmente, até tornar-se conhecida entre plateias de jovens com
idade para serem seus netos. Isso ocorre não apenas em sua carreira, mas também
em sua vida pessoal que vem sendo povoada por encontros amorosos inusitados, envolvendo não apenas celebridades como Garrincha, mas também casamentos com
homens que chegam a ser 50 anos mais jovens. Ressalvada a hipóteses de serem
boas jogadas de marketing, demostram um vigor e uma energia foras do normal.
Superar perdas significativas, como a morte de filhos e outras tragédias, e sustentar uma carreira por mais de setenta anos, mesmo com altos e baixos, não é pouca coisa. Elza se
mantem ativa no cenário musical, dando a entender que é mesmo uma mulher sem
idade. Ou a mulher do fim do mundo, como é intitulado um dos seus últimos shows.
Capa do livro Elza – Foto: divulgação Editora Leya
Ao final, o livro deixa informações importantes sem serem reveladas,
como, por exemplo, como foi a formação musical da cantora. Consta que iniciou com o pai e que teria aprendido a tocar instrumentos, já na maturidade. Opta por privilegiar a descrição de casos
amorosos e intrigas vividos pela cantora, num tobogã de emoções, com altos e
baixos, dramas e glória. Sucesso, dinheiro, fama, privações, sustos e
insegurança financeira tudo está la.
O livro tem coordenação de conteúdo de Pedro Loureiro e Juliano
Almeida, agentes e responsáveis pela carreira da cantora na atualidade; eles cuidam
do planejamento do “pacote” sobre a sua
vida, que contempla também um documentário, ainda em produção, e o musical em tournée pelo país.
Pena que, diante de uma vida tão intrigante, a biografia peque pela
escassez de registros documentais e por não se esclarecerem episódios nebulosos
como, por exemplo, os ataques a tiros sofridos por Elza e sua família, por mais
de uma vez. Há poucas fotos, algumas destas sem datas, e informações dúbias. Ao
final da leitura fica a constatação: Elza é fenomenal, essa sua biografia nem
tanto.
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