quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Dia da Saudade

Dizem que hoje é o dia da saudade. Que coisa, né?, tem dia pra tudo. Embora eu não consiga imaginar o que, penso que isso deve ter sido instituído para vender alguma coisa.
Mas com o blog com esse nome, passei o dia matutando sobre o que escrever e fiquei fazendo reminiscências sobre o que me traz muita saudade. Não, não é da infância, nem de pessoas queridas que já se foram, ou de um grande amor que guardo a minha maior saudade, mas de textos e livros que li há muito tempo e que lia com outros olhos.  Textos que hoje considero banais, ás vezes até mesmo bregas, mas que, da primeira vez que os li me deixaram tão encantadas que nunca pude esquecê-los o que me provoca uma enorme saudade. Nem sei se a saudade será dos textos ou de mim, daquela pessoa mais crédula, muito mais romântica e simples, que nunca mais serei. Acho que é disso sim, que sinto essa enorme saudade. Os textos são os meios de chegar, mesmo que momentaneamente, a essa pessoa que fui e da qual certamente guardo significativos resquícios.
Embora ainda goste muito da poesia da Cecília Meirelles, é dela, um dos textos a que me refiro, que já  me encantou muito, mas que hoje me desperta grande saudade.

A Arte de Ser Feliz (Cecília Meirelles)
...
“Houve um tempo em que a minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não a podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que participava do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um jardim quase seco. Era numa época de estiagem da terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam o muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho no ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Veja. Ás vezes, um galo canta. Ás vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. Eu me sinto completamente feliz. Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros finalmente que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim”.

 Estrato do texto A Arte de Ser Feliz. Disponível em: http://demogidascruzes.edunet.sp.gov.br/LP/Aart.pdf

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