domingo, 24 de janeiro de 2021

PEQUENOS GRANDES LIVROS IMPERDÍVEIS

Nesses tempos de pandemia, tenho repetido que não é normal quem não tá surtado. Indo para um ano de isolamento social até os mais solitários andam sentindo falta de abraços, de reuniões com familiares e amigos e inúmeras outras atividades como ir ao um cinema, um show, por exemplo. Para quem nunca foi um exemplo de paciência, está cada vez mais difícil não andar irritada, impotente e ansiosa. Ler tem sido uma pequeno alento para quem não assiste televisão e anda se policiando para não ficar mais que algumas horas por dia ao celular. Embora seja uma leitora inveterada desde muito jovem, nesse tempos a leitura se tornou imprescindível, assim como minha predileção por livros pequenos. Raramente encaro livros com mais de 500 páginas. Descobrir preciosidades curtas na literatura é um deleite. Nesses tempos de muita ansiedade e pouca paciência pequenos grandes livros são descobertas dignas de serem compartilhadas. É o que faço aqui apresentando uma lista com 10 livros que têm menos de 200 páginas e que valem por um de 500. Vamos lá, em ordem alfabética de título, porque seria impossível apresentá-los em outra classificação.
1-A TREGUA: Mário Benedetti. - Prestes a completar 50 anos de idade e preparando-se para a aposentadoria, o protagonista Matim Santomé, é um homem fechado em si mesmo e pessimista. Leva uma vida simples entre o trabalho, a família e poucos encontros com amigos. Antes tomado pelas angústias que geralmente acometem os homens diante das perspectivas de deixar o trabalho, o personagem se transforma ao encontrar Laura, uma jovem com quem se envolve emocionalmente, produzindo um delicioso diário que é compartilhado nesse pequeno, porém magistral livro. “Ela me dava a mão e e nada mais me faltava... mais que beijá-la, mais que dormirmos juntos, mais que nenhuma outra coisa, ela me dava a mão e isso era amor”. ............................................................................................ 2 - CAIM: José Saramago. - Em uma leitura muito própria dada ao personagem bíblico que assassinou o próprio irmão, Saramago destila sua costumeira ironia, sendo um irreverente e mordaz intérprete de fatos narrados no livro do Gênesis do Antigo Testamento. Fazendo uma releitura do episódio bíblico, com um olhar cáustico e debochado e de acordo com suas próprias convicções, o autor apresenta, como na maioria de seus outros livros, uma crítica mordaz e contundente à sociedade moderna. ............................................................................................ 3 - CARTA A D: André Gorz. - Essa pequena pérola é uma preciosidade de apenas 102 páginas (a edição de 2018 da Companhia das Letras). Um dos mais belos livros que já li. Adoro livros em forma de cartas e este, se equipara ao dois outros grandes pequenos livros que amo: Di Profundis, de Oscar Wilde e Carta ao Pai de Franz Kafka. André Gorz, pseudônimo de Garhart Hirsch, austríaco naturalizado francês, era engenheiro químico, mas atuou a maior parte de sua vida como jornalista. Foi um grande filósofo com atividade política e tornou-se referência em temas como o trabalho e o sindicalismo. Foi também um crítico da mercantilização das relações sociais e se dedicou ao tema da ecologia ao final do século XX. Mas Carta a D é um livro de amor. Um dos mais comoventes que já pude ler e que recomendo fortemente. ............................................................................................. 4- ESSE OFÍCIO DO VERSO: Jorge Luis Borges. - Com menos de 130 páginas, o livro encerra um tesouro. A literatura de Borges, citado como um dos maiores escritores do século XX, considero-a difícil. Sua prosa, geralmente não muito acessível, porque carregada de surrealismo e representações simbólicas de compreensão não imediata, torna–se clara, direta e fácil nesse conjunto de seis textos/palestras proferidos pelo autor, nos quais discute sua obra. “Tenho para mim que sou essencialmente um leitor. Como sabem, eu me aventurei na escrita; mas acho que o que li é muito mais importante que o que escrevi. Pois a pessoa lê o que gosta – porém não escreve o que gostaria de escrever, e sim o que é capaz de escrever” (P. 103). Comentando sobre diversos aspectos da produção literária, o autor apresenta uma introdução aos prazeres da palavra e ao laborioso e quase sempre muito difícil artesanato da literatura. ............................................................................................. 5. LEITE DERRAMADO: Chico Buarque. - Nosso maior compositor não faz por menos quando escreve romances. Em 195 páginas, Chico Buarque traça a história de quatro gerações. Leite Derramado traz uma saga familiar caracterizada pela decadência social e econômica de um velho membro da tradicional família brasileira. A partir dos relatos e, ou delírios do personagem, Chico traça todo um panorama do Brasil do último século. Prestes a completar 100 anos de idade, e em seu leito de morte, Eulálio relata, como é capaz, a saga de sua aristocrática e decadente família. A história dele é a história do Brasil, contada por esse grande brasileiro e o maior intérprete da alma feminina que poderíamos ter. “Fora da música, você tem sempre essa nobreza de represar os sentimentos, que certamente lhe doem, como deve doer leite empedrado” (P. 130). ............................................................................................... 6 - MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES: Gabriel Garcia Marques. - “Também a moral é um assunto de tempo” (P. 9). Um livro sobre a velhice e, por que não dizer, também sobre o amor. Um das últimas obras do colombiano Gabriel Garcia Marques, prêmio Nobel de Literatura e um dos mais importantes escritores do século XX. O protagonista, de quem o autor não nos diz o nome, é um homem prestes a completar 90 anos. Pessimista, incrédulo e até meio cínico, o personagem se reinventa ao final da vida, tomado de amores por uma jovem. Poderia, a partir desse enredo, se transformar em uma história clichê e banal. Não nas mãos de Gabo, o mestre da ficção latino americana. Tornar esse enredo simples em um livro deliciosamente romântico e bem humorado foi somente mais uma das peripécias literárias do autor de Cem anos de Solidão. Para quem ainda não se aventurou com Garcia Marques, começar por este livro curto e simples é uma ótima forma de se introduzir no universo literário do autor. .............................................................................................. 7- MORTE EM VENEZA - Thomas Mann. - Caracterizado por sua literatura lenta, pesada e pouco acessível, neste pequeno livro, Thomas Mann mostra uma escrita fluída e encantadora. Com um enredo simples narra a história de um homem envelhecido, Gustav Aschenbach, que viaja a Veneza (“...entrar em Veneza a não ser pelo mar, é como entrar em um palácio pela porta dos fundos”) e apaixona-se platonicamente por um jovem louro de nome Tadzio (Tadeu). Uma ode à beleza, à juventude e ao amor idealizado. A arte como único meio de eternizar a beleza. “... a linguagem pode apenas louvar, mas não reproduzir, a beleza que toca os sentidos. (...)". .............................................................................................. 8- O ESTRANGEIRO: Albert Cammus. - Albert Camus, argelino de descendência francesa é um dos ícones da literatura do século XX. Falecido precocemente, ainda assim deixou uma obra memorável. Seu livro A Peste, que não consegui terminar de ler tal o realismo de suas descrições, costuma ser mencionado como sua obra prima. Mas eu amo O Estrangeiro, a história do homem que, quase por acaso acaba matando uma pessoa e enfrenta, com estarrecedora indiferença, um julgamento cruel. O que de mais trágico existe na condição humana vai brotando de suas poucas páginas com um realismo de fazer arrepiar. Todo o abandono e a impotência de um homem diante da estupidez da sociedade moderna e de seus inacreditáveis sistemas de justiça aparecem nesse pequeno grande livro de uma forma memorável. .............................................................................................. 9- QUARTO DE DESPEJO - Diário de uma Favelada: Carolina de Jesus. - No registro de 18 de julho, Carolina desabafa: “quem escreve gosta de coisas bonitas. Eu só encontro tristezas e lamentos” (P.184). Esse livro deveria ser leitura obrigatória nas escolas brasileiras. Ele vale mais do que muitas aulas de história, sociologia e geografia. É um retrato fiel de um Brasil do qual temos vergonha. A autora catava materiais nos lixos no entorno da favela do Canindé, em São Paulo, de onde tirava o sustento para si e para seus três filhos pequenos. Uma mulher negra e semianalfabeta que, utilizando restos de cadernos e papel de embrulho que encontrava, ia registrando seu cotidiano sofrido. Demonstrando uma capacidade incrível de redigir, como uma repórter da favela, deixava fluir seu desalento diante do inaceitável abandono em que vivia. O seu diário deu origem ao livro que já foi traduzido em mais de 15 idiomas e que continua, ainda hoje como um retrato fiel da vida de milhares de brasileiros abandonados à própria sorte. .............................................................................................. 10 - UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES: Clarice Lispector. - Um encontro consigo, um encontro com o outro: é o que Clarice nos apresenta neste livro que começa com uma vírgula(,) e termina com dois pontos (:). “A vitalidade de camponesa é que salvava Lori de um mundo de emoções delicadas demais” (P. 171). A história nos enlaça porque percebemos que a busca de Lori é a busca incessante e interminável de todos nós. Não fica difícil sentir na pele as angustias da jovem professora interiorana que vive no Rio de Janeiro e experimenta um rotineiro mal-estar com sua própria existência, mas que a partir do encontro com Ulisses passa a questionar sua solidão. tCsbeocx9As/YA32gKsrASI/AAAAAAAANCM/ihT1CILNVtokRpHylNc1V448Z6Lgr7LUgCLcBGAsYHQ/s400/livros.jpg"/>

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