É batata! Sempre que retomamos um
texto escrito há algum tempo, percebemos o quanto ele pode ser melhorado. Na
intenção de divulgar o meu primeiro prêmio literário (sic), hoje fui buscar a redação, com a qual ganhei o
concurso promovido pela ASPUV – Associação de Professores da UFV e sua Divisão
de Assuntos culturais no ano de 2007. Não resisti à tentação de editá-lo. Somente
assim e ainda não totalmente segura, publico o texto que intitulei “Olhar de
Luz” produzido a partir de fotografia de Sebastião Salgado. Essa participação
foi muito importante para mim, porque foi a partir dela que me encorajei a
mostrar outros escritos.
Então seguem: primeiramente a redação
e a foto que a inspirou. Depois a notícia do prêmio.
OLHAR DE LUZ
Que dizem os olhos deste menino, tão
negros e claros de luz? Brilhando com
tal intensidade, o que insistem em falar
diante de tanta escuridão?
Pela luz muitos esperam, em noites
insones, diante da doença, que sempre se agrava nas horas escuras; da miséria,
que é mais triste quando o sol se põe; do perigo e do mistério, que se
intensificam na obscuridade. Mas, o brilho que emana dos olhos do menino é
capaz de consolar dores, atenuar a perplexidade diante da morte, ou a
impotência em presença da vida.
Com olhos tão iluminados, o menino
pode estar a dizer que ele é alguém, que habita lugares imagináveis, inclusive
certo espaço dentro de nós; que há um nome para ele e um território que devia ser
seu lugar; que é portador de sonhos, que precisa brincar, pertencer e sorrir. Isso seus olhos dizem. Falam de vida:
de necessidades humanas, anseios e privações.
Todos podem olhar o menino e ver a
luz que brota de seus olhos. Poucos percebem que, num diálogo silencioso, ela
pode clarear almas e corações e até evitar certos desatinos. E que, diante da
força suave desse brilho, o mundo pode
ser melhor.
Como poderiam sentimentos tristes e
cruéis, mesquinhamente humanos, resistir diante de um abraço deste menino, que sozinho
fixa suas mãos no sentar? Quem pode pegá-lo no colo e compreender seu mundo,
pra que o fulgor dos seus olhos se propague? É possível acreditar que essa
força ilumine trevas e atenue medos; faça brotar sentimentos nobres adormecidos
à espera apenas do olhar doce de um garoto perdido em um lugar qualquer. Esse
pequeno, seu olhar tão meigo e suas mãos tão magras podem provocar um engasgo,
uma falta de jeito, algo inexplicável: um despertar de consciência, ou o
encantamento diante da beleza. E alcançar pensamentos e mãos que se achavam
impotentes, colocando neles intensa energia, que possibilite levar pessoas a
agirem de novas maneiras.
Diante deste menino que, à primeira
vista, parece nada ter, uma utopia teima em proliferar-se no mundo carente de
luz. E insiste em crer que essa doce visão infantil, ao penetrar profundamente
em outros olhares, pode iluminar corações endurecidos. Esse enigmático e
profundo olhar, perplexo diante das maldades e da intolerância, pode dar de
comer ao espírito humano. Conhecimento, segurança, posses, valem menos diante do
brilho desse olhar; pois ele lembra que toda a infiel certeza e a mais pretensa
sabedoria podem ruir, a qualquer momento, como um castelo de areia.
Esses olhos e sua luz, − quase uma
súplica, são mais que um apelo. Quem se deixa penetrar por eles, nunca mais poderá ser o mesmo. A clareza que brota desse semblante indica que a intensa chama existente no olhar
dessa criança, pode estar em cada uma das pessoas. Pois ela surge a partir do
insondável, do mistério da criação, da curiosidade da existência e da
impossibilidade de permanecer indiferente diante da incomensurável beleza e do
misterioso fascínio da vida.
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Foto: Sebastião Salgado
Obs.: a foto Retrato de Criança 2, faz parte da coleção Retratos
de Crianças do Êxodo, cuja reprodução pertence ao acervo da ASPUV – Associação de
Professores da Universidade Federal de Viçosa, e que esteve exposta no
saguão da Biblioteca Central da UFV durante o período do concurso.
Bravo, Maria Inês! Parabéns! Eu não conhecia esta crônica sua não. Expõe bem o seu lado humanista, desprovido de preconceitos e carregado de emoções. Belíssima! Parabéns, mais uma vez!
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