sexta-feira, 24 de junho de 2022

VIVA SÃO JOÃO!

 

Junho é o mês mais alegre no Brasil. E a alegria também é resistência nesses tempos obscuros em que vivemos. Não perdemos a fé, nem a esperança, muito menos o bom humor tão característico do brasileiro. Trago aqui uma pérola de oração feita pelo professor, linguista, poeta e compositor mineiro, Laércio N. Bacelar, a quem agradeço imensamente por essa preciosa colaboração ao blog.

 

 

FORRORAÇÃO {Devotim de Minas}

                                                           Laercio N. Bacelar*

São Juão, ó , São Juão

Junta aí com Sant’Antõi

Expulsai esse demõi

Qui assola esta Nação

Faz um trio com São Pedo

Pra tirá esse cruz-credo

E o País vorte a sê bão!

Ilumina nossos voto

Qui nóis tudo é devoto

De São Pedo e São Juão

Rebatiza a Mãe Gentil

Prá vortá a sê Brasil

Sem o demo Capetão!

Nóis queremo é alegria

Como nóis já teve um dia

Não faz muito tempo não

O guverno er'um bão home

Num havia tanta fome

Nas cidade ô no sertão!

São Juão, ó , São Juão

Faz um trio poderoso

Expulsai esse Tinhoso

Do comando da Nação

Qui nós vorta a sê feliz

E o forró neste País

Vai ficá pra lá de bão!

Ilumina nossos voto

Qui nóis tudo é devoto

De São Pedo e São Juão

Rebatiza a Mãe Gentil

Prá vortá a sê Brasil

Sem o demo Capetão!

Nóis queremo é alegria

Forrozá, dançá quadria

Não queremo arminha, não

Só trabaio e mais cumida

Prá nóis aguentá a lida

Nas cidade ô no sertão!




segunda-feira, 30 de maio de 2022

O Riso de Medusa

 


             Escreva-te: é preciso que seu corpo se faça ouvir”. *



 Se eu não fizer poesia

O que faço com meu dia?

Com a angústia da Insônia,

Tendo sonhos recorrentes?

Intestino preso, refluxo,

Desassossego de correr mundo

O que faço com tanto medo?

 

Tenho que escolher destino

Para tudo que entorna de mim,

Essa vontade que transborda

Feito tempestade de restos

Trecos, pedaços, fragmentos

O que faço se sai grito,

Urro escrito, erro e tropeço?

 

Escrevo porque me assusto.

Com cólicas, sangue periódico.

Tantos medos desconhecidos.

Barrigão de oito meses

Com uma criança sentada,

Peito inchado, leite empedrado.

Há jeito para tudo isso?

 

Invento fazer um bordado

Sem risco, sem prévio traçado.                                               

Abraço o perigo da falta de ensaio   

Para ter o silêncio do corpo quebrado                                        

Vou conviver com o ritmo precário,

Encarar a dança de improviso.

E aceitar o fracasso sentenciado.


Se ando atrás de uma rima

É pra sossegar essa menina

Que  habita meu corpo cansado.

Que quer dança sem ter ritmo

E faz passos desengonçados.

Lançando escrita por linhas tortas

- Palavra inúteis, Letras mortas.


  

Livros mudam a vida

*  Helene Cixous. Em O Riso da Medusa. Editora Bazar do Tempo, 2022. P. 51

 

 

domingo, 17 de abril de 2022

Potiguar por Sete Dias

 Aquele que come camarões ou comedor de camarões é o significado da palavra potiguar, no dialeto indígena prevalecente na região hoje ocupada pelo estado do Rio Grande do Norte. Conhecer a capital do estado, Natal, e parte do extenso conjunto de praias que margeiam a sua costa foi uma experiência e tanto. É sempre grande o privilégio de fazer mais uma imersão por esse Brasil tão rico de diversidade e beleza.


Ele dá nome ao povo do lugar

A região litorânea do estado possui muitas atrações, lugares belíssimos, praias lindas de águas mornas, uma culinária bastante atrativa, artesanato variado e com bons preços. O povo é muito acolhedor. Além de Natal, onde nos hospedamos, os municípios de Ceará Mirim, Nísia Floresta, Pirangui e Timbau do Sul fizeram parte do roteiro de sete dias. As praias de Camurupim, (em Nísia Floresta) e a de Pipa (em Timbau do Sul), adornadas por recifes e falésias, são imbatíveis no encantamento que provocam no visitante. Bonitas, limpas, águas morninhas e visuais de tirar o fôlego. O povoado de Pipa, além de abrigar um conjunto de praias muito lindas possui uma charmosa vila com calçadas coloridas e lojinhas atraentes, além de vários restaurantes com vista para o mar. Por ai também encontra-se um verdadeiro santuário ecológico constituído por uma sequência de praias como a da Baia dos Golfinhos, a praia do Madeiro, e a praia do amor. Vistas a partir do mirante do chapadão, um platô, constituído por um boa extensão de terreno plano e sem vegetação, esse conjunto de rara beleza faz a alegria dos visitantes do litoral sul do estado.

Morro do Careca em Ponta Negra

Em Natal,  a praia da Ponta Negra é a mais famosa. Bastante urbanizada e não tão limpa como as demais aqui mencionadas, possui ondas maiores e o mar muito azul. Situa-se no bairro de mesmo nome, onde fica próxima de bons restaurantes, vários hotéis, além de centros comerciais dedicados ao artesanato e a produtos típicos da região, como a maravilhosa castanha de caju e o bolo de rolo. Na Ponta Negra situa-se o Morro do Careca, uma grande duna de areias brancas cercada por vegetação dos dois lados, que é um dos pontos turísticos mais relevantes da capital potiguar.

Boa culinária na Praia da Ponta Negra

Fica em Pirangui, município próximo a Natal, o maior cajueiro do mundo, que é uma atração muito interessante. A árvore é considerada uma anomalia genética. Seus galhos crescem paralelos ao solo lançando-se ao chão e criando raízes, em um processo chamado mergulhia. Embora já tenha mais de um século de idade, a árvore não para de crescer, sendo atualmente protegida por lei e cuidada pelo Instituto do meio ambiente do estado do Rio Grande do Norte. Sob o cajueiro há passarelas por onde as pessoas caminham protegidos pela extensa copa da árvore que ocupa uma área de cerca de 8 500 metros quadrados.

Copa do maior cajueiro do mundo

Além dos lindos coqueirais, das falésias, e de suas praias de águas mornas e areias brancas, a fama do estado se deve também ao camarão. Por lá costumam dizer  que no lugar onde Natal é a capital, o camarão é a estrela. Viajando pela região, avistam-se os tanques com criação do crustáceo, parte da qual destina-se à exportação.

Muita beleza, clima agradável, praias limpas, povo acolhedor e simpático, comida saborosa (para minha alegria, sem a presença marcante do coentro, muito comum em outras capitais da região nordeste); o artesanato é variado e com ótimos preços e, surpreendentemente, os carros param cedendo a vez aos pedestres, nas faixas de trânsito. É fácil encantar-se com Natal e com o  Rio Grande do Norte.  Todavia é praticamente impossível não se entristecer por lá. A vulnerabilidade do povo pobre é perceptível até aos olhares menos sensíveis a questões sociais: crianças menores de 10 anos trabalhando, mães com bebês de um mês de idade, andando pela praia pedindo, uma lástima que precisa ser registrada e denunciada com veemência.

Praias limpas, águas mornas, pouca 
gente: Praia de Camurupim, no
município de Nisia Floresta

Piada recorrente por lá pergunta: gostou de Natal? Ao que diante da resposta quase sempre positiva, o engraçadinho responde: vai gostar ainda mais do ano novo. Não duvido. Ano que vem, tenho esperança, inauguraremos um novo tempo nesse nosso país tão lindo e, ao mesmo tempo tão sofrido.

Por alimentar essa esperança e também por mais essa viagem, sou grata à vida.

quinta-feira, 31 de março de 2022

Tempo de Esperas

Orquídea Catleia

 

 Há dia vigio

Há anos aprendo

Esperar brotações

Aguardar o florescer

No tempo delas

Não no da minha ansiedade.

 

Vê-las vestir suas cores

Não as da minha vontade

Apropriar de suas doçuras

Aprender com elas

A beleza das esperas.

E da plena entrega.

 

Tempos, ciclos, mudanças

Sonhos, aceitação, esperanças.


Trepadeira Jade

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Jardim do Bosque Abandonado

Gente que sonha com  amenidades e singelezas nesse mundo cheio de despropósitos costuma não se cansar nem desanimar facilmente. Adotar as lições de Epicuro e agir “à procura de prazeres moderados”, tendo um jardim como campo de referência para reflexão e relaxamento, acaba sendo algo alentador. 

Acerolas

O filósofo grego que viveu por volta de 300 anos  antes de Cristo falava da possibilidade de “atingir um estado de tranquilidade, libertação do medo e ausência de perturbação e sofrimento”. Seu ideal era manter a saúde do corpo e a serenidade do espírito. Diferentemente da academia, ou do liceu idealizados pelos filósofos mais conhecidos da antiguidade, a escola  por ele fundada ficou conhecida como “o jardim”, uma comunidade de amigos e seguidores. Esses  acabaram sendo os responsáveis pela divulgação de suas ideias, pois seus mais de 300 escritos não sobreviveram, deles restando apenas fragmentos.

Jardim misturadinho


Conta-se que que o filósofo dos jardins e dos prazeres, ao pressentir a morte, encheu uma taça de vinho e adentrou-se em uma banheira com água morna, enquanto esperava o desfecho inevitável. 
Em nossos tempos, Rubem Alves foi outro filósofo que louvou as delícias e alegrias obtidas com o cultivo de um jardim. Para ele, um jardim acaba se tornando uma revelação de parte do que somos: “a alma nua se oferecendo ao deleite dos outros...”. Conta o escritor que ao lado de sua casa havia um terreno baldio repleto de lixo, mato, espinhos e garrafas quebradas. E que ele alimentava o sonho de ter um jardim. Ai, diz ainda o filósofo:  “o meu sonho fez amor com a terra e o jardim nasceu”.

Urucum planta nativa

Sendo o ideal epicurista coisa grande demais para ansiosos crônicos como eu, fico e foco (como está na moda dizer) nas pequenezas e nos prazeres sutis que um jardim pode oferecer.

Diferentemente de quando me mudei para a casa onde moro, agora, seja em dias lindos de céu azul, ou de chuvarada como tem sido nos últimos meses, olho pelas janelas e vejo uma área verde cada dia mais exuberante. Resultado de uma peleja de cerca de 20 anos.

A APA (Área de Preservação Ambiental) que perpassa praticamente todo o bairro, é um terreno irregular, acidentado mesmo, e que vivia coberto de mato. Era, e continua sendo comum, descartarem lixos e restos no local.  Tentar cuidar da área e povoá-la com plantas me sujeita a tombos e escorregões. Além disso, vivo sendo atacada por insetos, como aranhas, lagartas e marimbondos, que, além das danadas das formigas, povoam abundantemente o lugar.

Comecei com quaresmeiras, ipês e fedegosos, plantas nativas e típicas da região. Introduzi amoreiras, pitangueiras e ingás. Esses últimos não se adaptaram. Hoje perdi a conta do que já plantei. Calculo que mais da metade foi perdido. Muitos foram levados ou destruídos por passantes, alguns não resistiram a secas e ao ataque de formigas e outros foram danificados por cavalos que costumavam ser soltos no local.  

Espinheira santa

 

Como Rubem Alves, sonho com um jardim. E faço amor com a terra praticamente todos os dias. Em casa separamos obstinadamente material orgânico como cascas de ovos, de frutas e de legumes, pó de café e outros que podem melhorar a qualidade do terreno. Planto, podo, adubo, limpo, praticamente todos os dias. Ando sempre pensando em outras plantas que vou inserir, em como as que estão lá ficarão quando se desenvolverem plenamente, ou quais serão danificadas ou perdidas. Um jardim serve também para isso: para que aceitemos a nossa falta de controle sobre a maior parte do que nos acontece.  


Para uma procrastinadora como sou, um jardim torna-se também fonte de prazer, porque nunca está pronto. Diferentemente de um texto, ou de um bordado que exigem o famigerado ponto final, ele sempre estará lá, aberto a outras possibilidades, disponível para receber novas intervenções.

Dálias: memória afetiva

Por fim, o jardim do bosque abandonado me oferece espaço para a liberdade. Algo que, por vaidade, não consigo exercitar com os canteiros da minha casa, pois me deixo seduzir por regras e conceitos do paisagismo que me levam a atentar para que as plantas combinem entre si e estejam dispostas da forma mais esteticamente recomendada. Lá não: vou plantando, conforme me dá na telha, inspirada em jardins que povoam minha infância e inserindo espécies que fazem parte de memórias afetivas importantes.

Brio de estudante jardins da
minha infância

Cuidar do jardim me torna uma pessoa menos atormentada, ajuda a aplacar minhas angústias.   Todavia, não me concede  a serenidade e a placidez propostas por Epicuro. Continuo cada vez mais intrigada sobre o que tem levado as pessoas a abandonar a vida simples e natural e ficar por aí idealizando e articulando guerras e conflitos.  

Nativas gostam do lugar

Tucanos são visitas muito esperadas