MEU AMIGO VALDO
- Dá dois real ai
vó.
Me senti a maior
das ultrajadas. Era um homem preto, apavorado, descalço e sem camisa. Disfarçando
pecados mais graves e preconceitos enraizados, retruquei em nome da vaidade:
- Não tenho idade
para ser sua avó não, moço. Quantos anos você tem?
- Ah então tá titia
dá dois real meu nome é Valdo e tenho
37.
A nota que
entreguei ao sujeito magro e sarado estava amassada e sem cor como quase todas de
pequeno valor, que por aí ainda circulam, como símbolo de resistência nesses
tempos de valores virtuais.
Fiz um amigo. Ou
melhor, ganhei um parente, daqueles que ainda visitam a família com
regularidade. Quase todos os dias ele passa quando o sol está a pino. Costuma
voltar ao final da tarde e pode aparecer até à noite.
Já me contou que
seu nome completo é Riovaldo dos Santos Silva e percebo que o quase xará do
filósofo sertanejo é mais agitado do que eu. Mesmo raramente, costuma aparecer fora de horas. Nessas ocasiões vem ainda mais falante e gesticula com intensidade cabeça e braços. A respiração ofegante. Pudera. Além de andar
muito, sobe o morro que dá acesso ao bairro, quase sempre às pressas. Parece
acompanhar com os passos o ritmo da fala e expressa seu taquipsiquismo
claramente, quando dá notícias de todos os infortúnios da cidade. Por volta do
meio dia atendo a campainha.
- É eu titia. Mataram um agora lá no Rebenta, me dá
cinquinho preu almoçar.
- Credo, Valdo, para de espalhar notícia ruim. Hoje não tem cinco, mas você tá quase com sorte,
vão aí duas de dois. E entrego as notas amassadas.
Mesmo que abomine
as páginas dos crimes dos jornais, ando atualizada de todas ocorrências
violentas. E fico sabendo, segundo Valdo noticiário, que naquela semana foram pelo
menos mais dois crimes chocantes.
- Um sujeito da
APAC foi degolado agora pouco, titia. Até
os polícia anda com medo. E uma moto passou
por cima de um senhor que tava na faixa em frente ao supermercado. Mesmo
atravessando certo, o pobre morreu na hora. Dá dois real aí titia.
Quando informo que
hoje tô sem dinheiro algum, ele pede uma água. Ainda bem que ultimamente parece
mais calado. Entretanto não deixou de dizer que o pai dele queria bater na
sobrinha por causa de um pedaço de carne. E arrematou: - tem muita violência
pro todo lado, titia.
Ando sorumbática, sem disposição para tanta notícia ruim. No entanto, sinto falta quando ele desaparece
por vários dias.
- Você sumiu, Valdo.
Comento quando ele ressurge tocando a campainha.
- Tudo bão, titia?
Me arruma um dez, ainda num almocei. E já saindo às pressas com o cinquinho que lhe entrego, avisa de longe: sumi porque arrumei uma namorada lá em Araponga.