domingo, 28 de abril de 2024

CRÕNICAS DO DIA A DIA

 

MEU AMIGO VALDO

 A campainha toca e eu chego à janela.

- Dá dois real ai vó.

Me senti a maior das ultrajadas. Era um homem preto, apavorado, descalço e sem camisa. Disfarçando pecados mais graves e preconceitos enraizados, retruquei em nome da vaidade:

- Não tenho idade para ser sua avó não, moço. Quantos anos você tem?

- Ah então tá titia dá dois real  meu nome é Valdo e tenho 37.

A nota que entreguei ao sujeito magro e sarado estava amassada e sem cor como quase todas de pequeno valor, que por aí ainda circulam, como símbolo de resistência nesses tempos de valores virtuais.

Fiz um amigo. Ou melhor, ganhei um parente, daqueles que ainda visitam a família com regularidade. Quase todos os dias ele passa quando o sol está a pino. Costuma voltar ao final da tarde e pode aparecer até à noite.

Já me contou que seu nome completo é Riovaldo dos Santos Silva e percebo que o quase xará do filósofo sertanejo é mais agitado do que eu. Mesmo raramente,  costuma aparecer fora de horas. Nessas ocasiões  vem ainda mais falante e gesticula com intensidade cabeça e braços. A respiração ofegante. Pudera. Além de andar muito, sobe o morro que dá acesso ao bairro, quase sempre às pressas. Parece acompanhar com os passos o ritmo da fala e expressa seu taquipsiquismo claramente, quando dá notícias de todos os infortúnios da cidade. Por volta do meio dia atendo a campainha.

- É eu titia.  Mataram um agora lá no Rebenta, me dá cinquinho preu almoçar.

- Credo, Valdo, para de espalhar notícia ruim. Hoje não tem cinco, mas você tá quase com sorte, vão aí duas de dois. E entrego as notas amassadas.

Mesmo que abomine as páginas dos crimes dos jornais, ando atualizada de todas ocorrências violentas. E fico sabendo, segundo Valdo noticiário, que naquela semana foram pelo menos mais dois crimes chocantes.

- Um sujeito da APAC foi degolado agora  pouco, titia. Até os polícia  anda com medo. E uma moto passou por cima de um senhor que tava na faixa em frente ao supermercado. Mesmo atravessando certo, o pobre morreu na hora. Dá dois real aí titia.

Quando informo que hoje tô sem dinheiro algum, ele pede uma água. Ainda bem que ultimamente parece mais calado. Entretanto não deixou de dizer que o pai dele queria bater na sobrinha por causa de um pedaço de carne. E arrematou: - tem muita violência pro todo lado, titia.

Ando sorumbática, sem disposição para tanta notícia ruim. No entanto, sinto falta quando ele desaparece por vários dias.

- Você sumiu, Valdo. Comento quando ele ressurge tocando a campainha.

- Tudo bão, titia? Me arruma um dez, ainda num almocei. E já saindo às pressas com o cinquinho que lhe entrego, avisa de longe: sumi porque arrumei uma namorada lá em Araponga.