Caros amigos, preciso justificar a prolongada ausência
aqui no blog. Problema comum aqui em Viçosa e, acredito, em grande parte do
país. Conexão à Internet e demora da operadora em resolver o problema. Confesso
que estou exausta com isso, mas é grande o amor pelo blog e cá estou eu de novo a falar sobre política.
Neste mês tem sido difícil deixar o assunto. O que está em jogo é muito
importante para que o deixemos de lado. Até mesmo entre os que não são
tão envolvidos politicamente, como é o meu caso.
Desde o dia 21 deste mês, quando o ex-presidente do Uruguay, José Alberto
Mujica Cordano, mais conhecido como Pepe Mujica, recebeu a Medalha dos Inconfidentes
em Ouro Preto, estou tentando reproduzir o emocionante discurso feito na ocasião, por
aquele que, a meu ver, é um dos maiores líderes da atualidade.
Desculpo-me pelo atraso, mas ainda acho oportuno. Suas palavras
merecem ser conhecidas. Vindas de um homem com mais de oitenta anos de idade e
que esteve preso durante três décadas, soam ainda mais contundentes, por
representar um apelo de ânimo e de esperança, nesses tempos tão difíceis.
“Mineiros e mineiras, a vida me ensinou algumas coisas. Os únicos
derrotados são os que deixam de lutar. Mas vocês têm de saber que não há um
prêmio no final do caminho. O prêmio é o caminho mesmo, é o andar mesmo. Nossa
luta é muito velha. São falsos os términos. Esquerda e direita são inventos da
Revolução Francesa. Na realidade, são caras permanentes da condição humana,
como as caras de uma moeda, e fluem e refluem permanentemente na história. E
penso que talvez seja uma luta eterna com fluxos e refluxos, com pontos de
partida, com quedas e voltar-se a levantar. Há que se aprender que, na vida, as
causas nobres necessitam de coragem sempre para voltar e começar. Eu sou do
sul, venho do sul e represento o sul, os eternos esquecidos do planeta. Ser do
sul não é uma posição geográfica, é um resultado histórico. E venho ao Brasil,
tenho cultivado amigos no Brasil, porque a América será livre com a Amazônia ou
não será. Porque é enorme o conhecimento e ciência que nos tiraram o mundo
central. Porque perdemos nossos melhores filhos, porque lhes pagam melhores
salários no mundo central, porque estamos entrando em uma outra era,
globalizada, de comunicações, onde a fronteira é mais de negócio do que de
amparo e justiça aos povos. E todos sabemos que a democracia nunca será
perfeita, e não pode ser, porque é uma construção humana e os seres humanos não
são deuses. Não. Por isso, porque somos diferentes, porque nascemos em lugares
diferentes, porque pertencemos a classes diferentes, porque geneticamente temos
matizes em nossos programas. Porque nossa história pessoal nos dá ou nos tira
pelo que foi. Os homens são semelhantes, mas cada um é particular, diferente, e
como não somos perfeitos, a sociedade tem e terá sempre conflitos. Não podemos
viver sozinhos, somos sociais. Ninguém pode viver sozinho. Precisamos de um
cardiologista, de um mecânico, de um professor para nosso filho. Precisamos de
alguém que dirija o ônibus, de alguém que nos ampare na vida, de uma parteira
quando nascemos e de alguém quando morremos. Porque somos sociais e temos
defeitos, porque somos diferentes, há conflitos. Por isso, precisamos da
política. Tem razão Aristóteles: o homem é um animal político, porque a função
da política não é gerar corrupção e acomodar gente. A função da política é colocar
limite à dor e à injustiça. A função da política é lutar por um mundo melhor e
também buscar permanentemente as inevitáveis diferenças. A função da política
não é aplastar. A função da política é negociar as inevitáveis diferenças que
se apresentam na sociedade. Por que insisto nesse ponto? Porque o pior
resultado que se pode ter para as novas gerações é o conflito que se está
vivendo no Brasil, e que pode fazer com que muitos jovens cheguem à conclusão
de que a política não serve para nada, e são todos iguais. E caso essa
juventude se recolha e que cada um for cuidar apenas de si, é o mesmo que
construir a selva. Todos contra todos. Há que salvar a política. Há que dar
estatura à política, e isso não é um problema de partido, é um problema do
Brasil. Pior que as derrotas é o desencanto. Viver é construir esperanças,
esperanças de um mundo melhor. O que seria da vida sem sonho, sem esperança,
sem utopia, sem alegria de viver, o que seria da nossa existência? Um negócio
calculado, uma mercadoria que se compra e que se vende. Não, a espécie humana é
outra coisa, é contraditória, mas tem sentido e tem sentimento. Se você tem um
casal de filhos de três ou quatro anos e leva um jogo só para um, verá que você
tem um problema. Porque o outro sente que você não o tratou com igualdade.
Porque, companheiros, a igualdade a gente tem dentro de nós,
antropologicamente. Não se toma a igualdade como desejo de ser tudo igualzinho,
como tijolo, todos alinhados. O sentimento de igualdade é ter o direito às
mesmas oportunidades na vida, e quanto nos falta, latino-americanos, para poder
dar oportunidade aos milhões que ficam à margem do caminho da nossa pobre
América! Com minha companheira, estivemos 30 anos presos, mas a vida nos deu o
prêmio de viver e nada é mais bonito que a vida. Mas, sobretudo os jovens devem
saber: há que se cuidar da vida, há que semeá-la, há que colocá-la a serviço de
uma causa nobre. Aprendam a viver, e tem de trabalhar para viver, porque senão
viverás às custas dos outros. A vida não é só trabalhar. Tem de assegurar tempo
para viver, amor, filhos, para os amigos, que nesta vida não é felicidade
acumular dinheiro. O problema é acumular carinho e servir para algo. A
diferença é como vemos a vida, se a vida é só egoísmo ou a vida é também
solidariedade, “hoje por mim, amanhã por você”. Mineiros, o Brasil é muito
grande, muito forte, mas tem muitas feridas. Há que defendê-lo, mas há que se
entender que já não estamos no século passado e o desafio é outro.”