Já mencionei por aqui que sou de
uma família de gente que não vive sem plantas. Meu pai tinha origens indígenas
e possuía um enorme acervo de conhecimentos práticos sobre o universo vegetal.
No meio da mata, nas roças e nas estradas, ia nos dizendo o nome das árvores,
dos capins, das ervas e nos contando sobre as características e propriedades de
cada uma delas.
- A cutieira, essa árvores
enorme que vocês estão vendo produz nozes bem saborosas, mas não pode comer
muitas, senão a “caganeira” é certa. Estão vendo esse recorte em sua casca?
Alguém passou por aqui e tirou a medida exata do pé da criança para quem vai
ser feita uma simpatia, em intenção de sua cura.
Minha mãe, por sua vez, além da
paixão pelas plantas ornamentais nunca deixou de cultivar a horta, onde, além
de verduras e legumes, possuía uma boa variedade de folhas de chá. Cuidava do
pomar com esmero e vivia atenta ao menor sinal do ataque de formigas ou erva de
passarinho; tinha um enorme prazer de distribuir com amigos e parentes mangas, jabuticabas,
acerolas, laranjas, goiabas, condes e bananas, entre outras frutas que possuía no
quintal. Os pés de caqui eram seu xodó.
Não houve surpresa quando a
caçula dos oito filhos anunciou que queria estudar agronomia. Assim ela fez e
no meio do curso, na Universidade Federal de Viçosa, já havia escolhido o
paisagismo, o que a levou a buscar uma especialização na Universidade Federal
de Lavras.
Dedicou a sua curta vida
profissional a essa área, ora como agrônoma responsável pelo setor de parques e
jardins de uma instituição local, ora como profissional autônoma responsável
por projetar e executar projetos paisagísticos. Com uma pequena equipe, também
cuidava da manutenção de jardins.
Muito do que sabemos sobre
jardins aprendemos com ela. Lembro-me da primeira vez em que fazendo um curso
de atualização, ela chegou entusiasmada nos contando sobre o processo de
reprodução de plantas pelo método da alporquia. Foi vibrante acompanhar suas experiências nessa
e em muitas outras descobertas que realizava cotidianamente.
Adepta a um estilo bem tropical
de paisagismo, discípula de Burle Marx, em seus jardins orquídeas, bromélias,
palmeiras, helicônias, alpineas e estrelitzias eram as vedetes. Criteriosa e
quase perfeccionista, excedia nos cuidados e cumpria com rigor cada etapa do
seu trabalho. A implantação de um gramado, por exemplo, era precedida de um
levantamento rigoroso da topografia do terreno, do mapeamento das redes elétricas
e hidráulicas subterrâneas, não permitindo jamais que um jardineiro a seu
serviço estourasse um cano d’ água ou danificasse uma fiação elétrica.
Espécies tropicais eram as suas preferidas |
Ela Planejou o meu jardim e, juntamente
com minha irmã e auxiliares, executou o serviço, ouvindo os meus pitacos e
sempre respeitando minhas preferências. Mais de 20 anos depois, o espaço continua cada
vez mais lindo e com a maior parte das espécies originalmente implantadas,
ainda em pleno vigor.
Meu jardim concebido por Angélica |
Uma profusão de bromélias |
Diagnosticada como portadora de
encefalite de Rasmussem, uma doença inflamatória progressiva que acomete o córtex
cerebral e cuja etiologia ainda não se encontra plenamente elucidada, podendo
ser decorrentes de fatores autoimunes, lutou bravamente pela vida por mais de
30 anos. Com as perdas progressivas acentuadas nos últimos cinco anos, a parte
da sua memória mais preservada consistia nas relações familiares e em seus conhecimentos
de paisagista. Se visse algum de nós descuidar de um vaso ou podar inadequadamente
uma planta, dizia: não é assim ou, tá errado.
Durante a pandemia da Covid-19,
sufocadas pelo isolamento e inspiradas pelas mulheres do vale do Jequitinhonha,
resolvemos entre as irmãs cunhadas e sobrinhas criar um grupo no WhatsApp para fazermos
cantigas umas para as outras. Por sorteio, coube a mim homenagear a caçula que,
àquela altura, já não participava plenamente da atividade, mas que curtiu
imensamente ouvir minha singela cantiga que se iniciava assim:
Vou falar de uma pessoa
Pequenina como a Érica,
É a rainha dos jardins
E seu nome é Angélica.
Éricas |
Angélica, com um amigo, na chácara da família |
Que lindo!
ResponderExcluirObrigada
ExcluirLindo texto, emocionei com cada palavra.A Angélica, agora, é paisagista no céu. 🥰
ResponderExcluirObrigada
ExcluirQue lindo, amiga querida!!!! Que bela homenagem à Angelica. Certamente ficamos mais pobres por aqui, mas o céu certamente está mais bonito com a presença dela!...
ResponderExcluirÔ Maria Inês! Que lindo. Quanta história cheia de emoção! Adorei saber dos ensinamentos do seu pai e das cantigas na pandemia.
ResponderExcluirAmei, Maria Inês! Lindo texto! Fiquei emocionada. Lembrei-me do livro "O Menino do Dedo Verde" que, no final, era um anjo, tal como Angélica! Beijo no coração!
ResponderExcluirQue lindeza de texto! Fiquei com mais saudade de Angélica!! 🥰
ResponderExcluirQue lindo!
ResponderExcluirQue bela homenagem, Maria Inês! Faz justiça ao profissionalismo e ao cuidado com que a Angélica cumpria os seus afazeres. Realmente angélica. Delicada e assertiva. Que ela descanse em paz. Grande abraço para você.
ResponderExcluirNossa eterna flor! Que linda homenagem, Maria Inês. Tive que ler pausadamente, pois não contive as lágrimas. Angélica será sempre lembrada em nossas boas lembranças.
ResponderExcluirNossa, irmã! Maravilhoso! Homenagem mais q merecida à irmãzinha q tanto amava as plantas! Como disse Didi, não tive como não me emocionar ao ler esse texto! Ficará na lembrança seus ensinamentos à família!
ResponderExcluirQue linda homenagem!! sentiremos saudades da nossa Angélica.
ResponderExcluirLindo minha querida!
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