domingo, 30 de maio de 2021

CONVERSA DE JARDINEIROS – Muito Além das Flores e das Folhagens

 

Não somente com belas floradas e folhagens atraentes se faz um jardim bonito. Cada parte das plantas costuma oferecer seus próprios encantos, bastando nosso olhar atento.
    Raramente imaginamos que raízes podem ser elementos decorativos em jardins, até porque elas, em sua maioria, nem costumam ficar aparente, permanecendo sob a terra. Mas há belas exceções. A clúsea por exemplo, uma espécie brasileira, comum em manguezais e que foi alçada aos jardins pelas mãos de Burle Max, além de folhagens muito bonitas e flores também interessantes, chama a atenção por suas raízes aéreas muito ornamentais. Recentemente descobri um lindo “cortinado” composto por elas pendendo de uma pérgola, na entrada de um edifício. Suponho que o bonito efeito tenha surgido por acaso, pois somente um paisagista muito genial seria capaz de imaginar que, passado bastante tempo do seu plantio, um resultado tão elegante pudesse ser obtido naquele conjunto.  
Raizes da clúsea em pérgola
Por certo não é somente com a clúsea que jardins bonitos se tornam mais atraentes por contar com espécies de raízes ornamentais. O pândanus, por exemplo, lança suas raízes  a alturas superiores a um metro a partir do chão, ampliando a atração da planta que possui bela folhagem e tronco também muito interessante.
Pandanus e suas raízes atraentes

    Tão inesperados quanto as plantas se tornarem atraentes por suas raízes, caules também  costumam ser pouco reparados, a não ser em espécies como os cactos, por exemplo. Mesmo para aqueles que, assim como eu, não gostam de cactos, é possível encontrar atrações paisagísticas em troncos. A Melaleuca quinquenervia, conhecida popularmente como casca de papel,  impressiona pela beleza de seu tronco, com cascas que se dispõem em camadas, embora suas flores brancas sejam igualmente bonitas. Há, além de muitas outras, o brasileiríssimo pau mulato, uma árvore de grande porte, cujo tronco costuma parecer uma pintura abstrata formada por sua casca de cores variadas. Muitas fotos dessa espécie que aparecem na internet costumam ter sido “tratadas” com recursos de edição de imagens, numa clara demonstração do quanto algumas pessoas são enganadoras e não se contentam em mostrar o que de bonito existe na natureza, sem adulterar.  

Maleleuca, ou casca de papel
(Foto Rosilene Salomé)
Pau Mulato, espécie brasileira
de tronco ornamental

   
 Exaltar a beleza das folhagens como recurso paisagístico é bastante comum, tendo em vista que essa parte das plantas é muito utilizada para embelezamento de canteiros, maciços, cercas vivas e outras partes dos jardins. As folhas, assim como as flores,  são as partes das plantas que mais frequentemente constituem o repertório de paisagistas e jardineiros como recurso de embelezamento dos espaços. Como a maioria das plantas não fica florida o tempo inteiro, associar a possibilidade de  belas folhagens torna-se quase sempre uma opção interessante para compor jardins.

Coleus, ou coração sangrento
faz bonito nos jardins
Cordiline, folhas de cores atraentes

Embora eu não me canse de repetir que é possível encontrar belos jardins sem flores, essas, quase sempre, são vistas como sinônimos desses espaços. Obviamente tal associação não é feita por acaso. Flores são bonitas, tem cores e formas exuberantes, costumam ser perfumadas, atraem insetos e pássaros, propiciando novas cores e movimento, enfim, enfeitam e enriquecem qualquer jardim. As opções de espécies florais são inúmeras, o que facilita a escolha, de acordo espaço disponível e as condições do terreno, além de outros fatores.

A impressionante florada da
Neve da Montanha
Um lindo canteiro de Malmequer

Frutos e sementes podem ser belíssimos e funcionar como uma das partes mais atraentes de algumas plantas. É interessante e até comum utilizar pés de amoras, jabuticabas, acerolas,  carambolas e seriguelas  em jardins, onde essas plantas cumprem o duplo papel de alimentar e adornar.  Mas não fica por ai. Embora pouca gente repare, as palmeiras, por exemplo e de forma geral, costumam apresentar cachos  lindamente ornamentais, com cores e formatos bastante variados.Interessante mencionar o Pingo de ouro, uma espécie muito utilizada como folhagem e em cercas vivas e para bordaduras de canteiros. Ele  possui como principal atrativo os seus lindos cachos dourados, que inspiram seu nome popular.


Pingo de Ouro (duranta) e seus
cachos dourados


Cauabori, frutinhos azuis

Outras plantas de frutificação atraente e colorida têm despertado interesse paisagístico mais recente, como é o caso do cauabori e do urucum, ambas frutos com nomes indígenas. Esse último, mais comum de ser visto em hortas e quintais, passou a ser encontrado também em jardins e não sem motivo. Além de belas flores cor de rosa, seus frutos dispostos em cachos vermelhos são bonitos e constituem a maior atração da planta. Já o cauabori, que se destaca por seus frutinhos azuis, é planta rasteira e desponta como uma espécie com potencial para ser utilizado como planta pendente em vasos e jardineiras.

Encerramos por hoje nossa conversa de jardineiros, incitando os amantes da natureza a lançarem seu olhar não apenas às folhagens e flores. Verão que, muito além dos poucos exemplos mencionados, há um mundo de beleza a ser descoberto nas outras partes das plantas.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Porque é Maio

 Meu Rosário

Conceição Evaristo

Meu rosário é feito de contas negras e mágicas.
Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe Oxum e falo
padres-nossos, ave-marias.
Do meu rosário eu ouço os longínquos batuques do
meu povo
e encontro na memória mal-adormecida
as rezas dos meses de maio de minha infância.
As coroações da Senhora, onde as meninas negras,
apesar do desejo de coroar a Rainha,
tinham de se contentar em ficar ao pé do altar
lançando flores.
As contas do meu rosário fizeram calos
nas minhas mãos,
pois são contas do trabalho na terra, nas fábricas,
nas casas, nas escolas, nas ruas, no mundo.
As contas do meu rosário são contas vivas.
(Alguém disse que um dia a vida é uma oração,
eu diria porém que há vidas-blasfemas).
Nas contas de meu rosário eu teço entumecidos
sonhos de esperanças.
Nas contas do meu rosário eu vejo rostos escondidos
por visíveis e invisíveis grades
e embalo a dor da luta perdida nas contas
do meu rosário.
Nas contas de meu rosário eu canto, eu grito, eu calo.
Do meu rosário eu sinto o borbulhar da fome
No estômago, no coração e nas cabeças vazias.
Quando debulho as contas de meu rosário,
eu falo de mim mesma em outro nome.
E sonho nas contas de meu rosário lugares, pessoas,
vidas que pouco a pouco descubro reais.
Vou e volto por entre as contas de meu rosário,
que são pedras marcando-me o corpo-caminho.
E neste andar de contas-pedras,
o meu rosário se transmuda em tinta,
me guia o dedo,
me insinua a poesia.
E depois de macerar conta por conto do meu rosário,
me acho aqui eu mesma
e descubro que ainda me chamo Maria.
               (Poemas de recordação e outros movimentos, p. 16-17)

Disponível em : http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/11-textos-dos-autores/924-conceicao-evaristo-meu-rosario.  Acesso em 07-04-2021

 


terça-feira, 27 de abril de 2021

Vermelho

Passados alguns dias da primeira dose da vacina, dá para sentir os ânimos melhorarem, principalmente quando se tem a sorte de tomar a que,  já na primeira aplicação, assegura uma imunidade considerável. Perceber-se com um mínimo de tranquilidade, voltar a ter sonhos, sentir a esperança  fortalecida não é pouca  coisa, diante do mar de desassossego em que estivemos imersos nesse último ano.

Os jardins andam tomados por essa cor vibrante. As semâneas, as justícias e os camarões vermelhos, entre outros esparramam beleza e vitalidade.





Nossos olhos confirmam na paisagem que entramos mesmo na onda vermelha, conforme anunciado pelos órgãos oficiais do município. Menos mal. Deparar com uma trepadeira desconhecida e linda, durante a trilha da manhã, faz o dia ficar melhor.

O vermelho nos remete a vigor, aumenta a energia; é cor quente e vibrante. Por ser estimulante, na cromoterapia é usado para restabelecer a vitalidade e o ânimo. Quem não está precisando?

Cor muito associada à beleza, o vermelho também costuma fortalecer a esperança, como se espalhasse pontinhos de alegria naqueles que o poeta chamou nossos pequenos momentos de descuido.

Para completar o esforço de busca por alentos, as gérberas  na feira livre estão a preço de banana, favorecendo deixar a casa colorida como um cenário de Almodóvar. Oxalá possamos seguir garimpando pequenas gotas de felicidades.


quarta-feira, 31 de março de 2021

Sobre Desencantos com Gentes e Encantamentos por Livros

No meio desse caos todo em que estamos vivendo, mesmo sem ser adepta da síndrome de Poliana, consigo ver duas coisas boas acontecendo: A primeira delas, apesar de boa, é muito triste. Trata-se de um doloroso processo que acredito esteja afetando muitos de nós. Descobrimos que tínhamos amigos que não apenas votaram em um sujeito declaradamente machista, violento, preconceituoso e fascista; alguns continuam ainda, defendendo suas ações e omissões criminosas. Percebemos pessoas que pensávamos esclarecidas, cultuando Olavo de Carvalho, o filósofo de araque que orienta as ações de membros do governo e acredita que a terra é plana. Deparamos com médicos em quem confiávamos, adotando posturas negacionistas, debochando das medidas de distanciamento social e desprezando o uso de máscaras e outros cuidados capazes de minimizar os efeitos devastadores do corona. E também pessoas que acreditávamos possuir certa nobreza de caráter, vemo-las defendendo o extermínio de pobres e negros e outros grupos vulneráveis. Até gente que dizia ser contra a corrupção costuma encorajar-se a justificar ações declaradamente corruptas e negando a ética que pareciam defender. 
    A segunda, essa sim boa e alegre, é que parece que estamos todos lendo mais. Como não comemorar isso, mesmo no meio de tanta dor e desolação? Vira e mexe falo aqui no blog sobre livros. É uma paixão antiga que, nesses tempos, anda mais acesa do que nunca. 
    Das experiências literárias dessa quarentena poderia falar por muito tempo, mas vou destacar dois livros muitíssimo interessantes, porque lançam alguma luz sobre a própria pandemia, ao tratarem do devastador desequilíbrio ecológico e social que o mundo vem experimentando nos últimos anos.
    O Almanaque de um Condado Arenoso é um relato e uma reflexão baseados na experiência do filósofo conservacionista americano Aldo Leopoldo, considerado um dos primeiros ecologistas da humanidade. Nesse livro, o autor não apenas defende que necessitamos adotar uma relação ética com a terra. Vai além e, ao mostrar as mais diversas, intrincadas e sutis interconexões entre os seres vivos e nos propõe algo maior: estabelecer uma relação de amor com a natureza e, consequentemente, defender a continuidade da vida. Leopoldo questiona o antropocentrismo, e destaca que “uma ética da terra muda o papel do Homo Spiens de conquistador da comunidade da terra para um simples membro e cidadão dessa comunidade” (P. 220). 
    Traduzido pelo prof. Rômulo Ribon, aqui da UFV e publicado pela editora da UFMG, esse livro me fez repensar até a raiva que eu sentia pelas cochonilhas, quando essas atacavam as minhas plantas. Pois é, até elas que vemos somente como pragas, possuem um papel no equilíbrio ecológico de nosso planetinha azul e consequentemente contribuem com a vida por aqui. Esse livro publicado originalmente em 1949 e que teve a primeira tradução brasileira apenas em 2019, impactou os paradigmas de conservação do meio ambiente e tornou-se inspiração para leis ambientais e preservacionistas em várias partes do mundo.
    Também mostrando os equívocos e consequências desastrosas da visão antropocêntrica adotada pela humanidade nos últimos séculos, O Bem Viver, do equatoriano Alberto Acosta, publicado pela Autonomia Literária e Editora Elefante, aponta aspectos que contribuíram para que o mundo se tornasse esse lugar tão perturbador: devastação ambiental, iniquidades sociais, crises econômicas e outras mazelas que parecem não ter fim. 
    Nele, o autor imagina e defende que há outros mundos possíveis; que é viável colocar um freio nas ações desenvolvimentistas e em seus padrões de consumo irrefreáveis. Argumenta veementemente que se pode barrar a ganância acumulatória infindável do sistema capitalista. Propõe não somente parar com a sangria dos recursos naturais e a devastação ambiental, em nome da geração de desenvolvimento, mas reforça a conscientização de que somos apenas parte integrante da natureza, sem nenhuma soberania sobre qualquer outro componente do planeta. Além disso, exalta o conhecimento dos povos ancestrais e defende seu uso em paralelo com a ciência. 
    Encerra seu bem fundamentado discurso mostrando que o bem viver aceita e apoia maneiras distintas de viver, valorizando a diversidade cultural, a plurinacionalidade e não tolera a destruição da natureza, nem a exploração dos seres humanos, nem a existência de grupos privilegiados à custa do trabalho e sacrifício de outros. Enfim, dois livros indispensáveis.

terça-feira, 16 de março de 2021

ONDA ROXA EM MINAS GERAIS

Por aqui, embora tudo ande muito trista, há muita boniteza. Basta andar um pouco mais longe, com o olhar atento e facilmente se encontram motivos para encantamento. A lobeira, ou fruta de lobo, é um arbusto típico do cerrado e muito comum em pastagens por quase todo o estado de Minas Gerais. Sua folhagem prateada destaca lindamente a floração roxa.
O Jacarandá Pau de Angu me parece a árvore mais representativa desses tempos sorumbáticos. Além de cheia de espinhos, mistura as cores roxo e marrom. Essa sim, a cor mais aborrecida de todas.
Trapoeraba roxa é uma planta que divide opiniões. Alguns acham-na linda para enfeitar canteiros e até para fazer bordaduras, principalmente em espaços maiores. Pessoalamente considero muito invasiva, "esguelada" e difícil de manter em um jardim ordenado.
Tumbérgias em cercas vivas ficam uma beleza. Essa flor delicada e de folhagens brilhantes, além de valorizar o contorno de espaços, enfeita canteiros e, até mesmo como exemplar isolado costuma ficar bonita.
Geralamente mais utilizada como cerca viva, a Duranta, se não for podada, torna-se um interessante arbusto que, além de lindo pelas suas delicadas flores roxas, oferece bonitos cachos de frutinhas bem amarelas. Vem dai o seu nome popular: Pingo de ouro. Além disso, ela costuma atrair muito as borboletas.
A Perpétua, aquela que se cheirasse seria a rainha das flores, tornou-se uma planta rara nos jardins atuais. Embora seja roxa, por alguma razão que desconheço, na foto aparecem avermelhadas em um lindo canteiro circular no campus da Universidade Federal de Viçosa. Uma beleza que dá gosto ver. Só por ela, já vale uma caminhada.
Ele tem o cheiro da quaresma e, mesmo fora dos altares e andores, o manjericão costuma fazer bonito nas hortas, em vasos ou canteiros. Alem de ser um tempero especial para massas e quibes, melhora também o sabor de outras iguarias.
Não se pode pretender fazer um ensaio com flores que representam a quaresma mais triste de todos os tempos, sem inclui-la. A árvore que dá nome a esse período é exuberante e, nem mesmo aos olhos mais desatentos, costuma passar despercebida.
A versão quaresmeira miúda não perde para a árvore. Ela forma touceiras e, estando em sol pleno, costuma oferecer floradas exuberantes.
E não saia sem ela, a companheira inseparável nesses tempos tristes.