Natural da Zambézia, região central de Moçambique na África, a escritora Paulina Chizane, com seu livro, O Alegre Canto da Perdiz, foi agraciada recentemente com o maior distinção para escritores de língua portuguesa - o Prêmio Camões. O livro fala de sua terra, de sua gente, de suas lendas, crenças e mitos. Fala sobretudo, do sofrimento de seu povo.
O livro foi lançado em 2018 |
Depois de mais de quatro séculos de domínio português, Moçambique tornou-se independente, em 1975. Desde 2001, a taxa média de crescimento econômico anual do seu PIB (Produto Interno Bruto) tem sido uma das mais altas do mundo. No entanto, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e a distribuição de renda situam-se entre os piores do planeta.
Foi muito bom conhecer a escritora e avançar nesse universo da literatura africana, praticamente inexplorado por mim. Pouco conheço à exceção de um ou dois livros de Mia Couto, e de outros tantos do argelino Albert Camus.
Pincei umas pérolas no livro da Paulina que merecem ser apontadas:
“- Há uma pessoa no
abismo pedindo ajuda. A sociedade humana apressa-se a atirar paus e pedras, a
pisar a mão com que te expressas por teu último desejo . P. 9;
- Eu tenho o
destino do vento, e tenho a vida presa nas teias de uma esperança desconhecida. P.
13;
- As sociedades
modernas produzem cada vez mais loucos e marginais como produtos de luxo. P. 25;
- O ventre da mãe é
o único ponto de partida para todos os caminhos do mundo. P. 30;
- A partir de agora
matem a palavre liberdade. Que a escravatura se chame descobertas. Que o
massacre se chame civilização e a humilhação se chame conversão ao
cristianismo. Que a submissão se chame fidelidade...P. 176”.
Nesse
momento, alguns países europeus enfrentam novas ondas de infecções pelo corona vírus.
A variante Ômicron descrita originalmente na África já foi detectada em mais de uma dezena de países, pelo menos sete
deles europeus. No entanto, fronteiras vem sendo fechadas apenas para países
africanos. A notícia provocou revolta, e
dois escritores conhecidos mundialmente, o moçambicano Mia Couto e o angolano
José Eduardo Agualusa denunciam a discriminação: “Mais uma vez, a ciência ficou refém
da política. Uma vez mais, o medo toldou a razão. Uma vez mais, o egoísmo
prevaleceu. A falta de solidariedade já estava presente (e aceite com
naturalidade) na chocante desigualdade na distribuição das vacinas. Enquanto a
Europa discute a quarta e quinta dose, a grande maioria dos africanos não
beneficiou de uma simples dose. Países africanos, como o Botswana, que pagaram
pelas vacinas verificaram, com espanto, que essas vacinas foram desviadas para
as nações mais ricas.” (Disponível em: https://racismoambiental.net.br/2021/11/28/duas-pandemias-por-mia-couto-e-jose-eduardo-agualusa/).
Impossível
deixar de vir à cabeça os versos de
Castro Alves, em Vozes da África:
“Deus! ó Deus! onde
estás que não respondes?
Em que mundo, em
que estrela tu te escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te
mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
..............................
Basta, Senhor!
De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão para os
crimes meus!
Há dois mil anos eu
soluço um grito...
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor,
meu Deus!!...”
(disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/jp000010.pdf)
Então a
gente se pega a cantarolar Chico César:
“Mama África
A minha mãe
É mãe solteira...
É tanto contratempo
No ritmo de vida de mama África”.
Mama África (Disponível em: https://www.letras.mus.br/chico-cesar/45197/)
Tristeza e
desolação. É o que temos para hoje.
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