Vendo sua literatura classificada como realismo fantástico,
teria dito Gabriel Garcia Marques: “É só realismo A realidade é que é mágica.
Não invento nada. Não há uma linha nos meus livros que não seja realidade. Não
tenho imaginação.”
Gabo não legou ao mundo apenas o encantamento de sua
literatura, mas também tocou a muitos, como é o meu caso, por suas posições
políticas. Assim, resolvi transcrever algumas frases memoráveis, pinçadas de
seu discurso feito na Academia Sueca de Letras, em 1982, quando lhe foi
concedido o prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra.
“A independência do domínio
espanhol não nos pôs a salvo da demência.”
“... Nas boas consciências da Europa, e às vezes também nas más,
irrompem desde então, com mais ímpeto que nunca, as notícias fantasmagóricas da
América Latina, esta pátria imensa de homens alucinados e mulheres históricas,
cuja tenacidade sem fim se confunde com a lenda.”
“Enquanto isso, 20 milhões de crianças latino-americana morrem
antes de fazer dois anos, mais do que todas as crianças que nasceram na Europa
Ocidental desde 1970. Os desaparecidos da repressão somam quase 120 mil...
Numerosas mulheres presas grávidas deram à luz em cárceres argentino, mas ainda
se ignora o paradeiro de seus filhos, que foram dados em adoção clandestina ou
internados em orfanatos pelas autoridades militares, morreram cerca de duzentas
mil mulheres e homens em todo o continente, e mais de cem mil pereceram em três
pequenos e voluntariosos países da América Central.....”
“Eu me atrevo a pensar que é esta realidade descomunal, e não só a
sua expressão literária, que este ano mereceu a atenção da Academia Sueca de
Letras. Uma realidade que não é a do papel, mas que vive conosco e determina
cada instante de nossas incontáveis mortes cotidianas, e que sustenta um
manancial de criação insaciável, pleno de desdita e de beleza, e do qual este
colombiano errante e nostálgico não passa de uma cifra assinalada pela sorte.
Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e malandros, todos nós
criaturas daquela realidade – desaforada, tivemos que pedir muito pouco à
imaginação, porque para nós o maior desafio foi a insuficiência dos recursos
convencionais para tornar nossa vida acreditável. Este é, amigos, o nó da nossa
solidão.”
“A interpretação da nossa realidade a partir de esquemas alheios
só contribui para tornar-nos cada vez mais desconhecidos, cada vez menos
livres, cada vez mais solitários...”
“A solidariedade com nossos sonhos não nos fará sentir menos
solitários enquanto não se concretize com atos de respeito legítimo aos povos
que assumam a esperança de ter vida própria na divisão do mundo.”
“A América Latina não quer nem tem porque ser um peão sem rumo ou
decisão, nem tem nada de quimérico que seus desígnios de independência e
originalidade se convertam em uma aspiração ocidental.”
“Por que a originalidade que é admitida sem reservas em nossa
literatura nos é negada com todo tipo de desconfiança em nossas tentativas tão
difíceis de mudança social?”
.”.. a violência e a dor desmedidas da nossa história são o resultado
de injustiças seculares e amarguras sem conta e não uma confabulação urdida a
três mil léguas da nossa casa.”
“E ainda assim, diante da opressão, do saqueio e do abandono,
nossa resposta é a vida.”
“Num dia como o de hoje, meu mestre Willian Faulkner disse neste
mesmo lugar: ‘Eu me nego a admitir o fim do homem’.”
“Diante desta realidade assombrosa, que através de todo o tempo
humano deve ter parecido uma utopia, nós, os inventores de fábulas que acreditamos
em tudo, nos sentimos no direito de acreditar que ainda não é demasiado tarde
para nos lançarmos na criação da utopia contrária. Uma nova e arrasadora utopia
da vida, onde ninguém possa decidir pelos outros até mesmo a forma de morrer,
onde de verdade seja certo o amor e seja possível a felicidade, e onde as
estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham, enfim e para sempre, uma
segunda oportunidade sobre a terra.”
Vale a pena ver o discurso inteiro no link abaixo.
http://www.vermelho.org.br/prosapoesiaearte/noticia.php?id_noticia=190916&id_secao=285
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