terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

TRABALHO E QUALIDADE DE VIDA


     Já abordei o tema da qualidade de vida no trabalho aqui no blog. Na oportunidade mostrei um teste que auxiliava na sua avaliação, a partir de um modelo proposto por Hair*. Agora volto ao assunto, discutindo-o sob a perspectiva da abordagem de Walton**.  Um modelo, como se sabe, é uma tentativa de aproximação da realidade, sendo que, geralmente apresenta alguma limitação ao explicar determinado fato ou fenômeno. Já foi dito que os modelos são frágeis, porque a realidade é escorregadia e raramente se esquadra plenamente dentro dos modelos que tentam explicá-la. Principalmente a realidade social que, muito mais que os fenômenos físicos, é altamente complexa e dinâmica.
      Assim, falar sobre qualidade de vida é quase tão perigoso, quanto tentar definir felicidade. Muitas vezes se comete o deslize de deixar de  lado as diferenças pessoais, mencionar o óbvio, cair na mesmice e resvalar para aspectos  difíceis de serem esclarecidos. Tudo isso por causa das várias nuances e perspectivas sob as quais o tema pode ser abordado. Falar sobre qualidade de vida no trabalho (QVT) também não é algo simples, no entanto já temos alguns estudos e pesquisas que contribuem para lançar luzes sobre o tema.
O trabalho de Walton** apresenta um  modelo bastante abrangente de QVT, conforme mostrado a seguir:
Item
Aspecto
Abrangência do Aspecto
1
Compensação justa e adequada.
Equidade salarial interna e externa; justiça na compensação; patilha de ganhos de produtividade; justiça na relação incentivos x contribuições.
2
Condições de trabalho seguras e salutares.
Ambiente físico e psicológico seguro e saudável; ausência de ameaças e perigos iminentes.
3
Oportunidade de utilizar e desenvolver a capacidade humana e a autonomia.
Uso e desenvolvimento de capacidades e qualidades múltiplas; informações sobre o processo total de trabalho; possibilidade de autocontrole e autonomia.
4
Oportunidade para crescimento e desenvolvimento.
Carreira; perspectivas e possibilidades de desenvolvimento e crescimento pessoal.
5
Integração social na organização do trabalho; respeito ao ser humano e valorização.
Ausência de preconceitos, igualdade, mobilidade, relacionamentos e senso comunitário.
6
Constitucionalismo na organização do trabalho.
Direitos do trabalhador; aspectos legais;  tratamento imparcial; liberdade de expressão.
7
Espaço do trabalho dentro da vida.
Equilíbrio entre o papel do trabalho e outros aspectos da vida do trabalhador. Tempo de lazer e família; poucas mudanças geográficas.
8
Relevância social do trabalho.
Imagem da organização e responsabilidade social; capacidade de realização que o trabalho promove; importância social do trabalho.






























 Existem vários outros modelos desenvolvidos academicamente para tentar estabelecer os aspectos relevantes para a qualidade de vida no trabalho e dimensiona-los. Como esse não é um artigo acadêmico, vamos nos ater ao modelo de Walton, que, por si só já apresenta uma relação bastante abrangente de pontos a serem considerados ao se analisar a qualidade de vida no trabalho.
A partir desse conjunto de aspectos e, refletindo-se sobre cada um deles, é possível dimensionar se um trabalho, e as condições mediante as quais é exercido, promovem a qualidade de vida do trabalhador ou, se, ao contrário, torna-a precária, contribuindo para a instalação de doenças.
Orientei, recentemente,  um trabalho de conclusão de curso que teve como tema a  qualidade de vida e o estresse ocupacional entre profissionais  de saúde no município de Viçosa. Os resultados foram preocupantes. Descobrimos, por exemplo, que 32,65%,  dos empregados em saúde no município possuem dois vínculos funcionais, ou dupla atividade empregatícia.   Isso se dá geralmente em função dos baixos salários praticados pelos hospitais e outras instituições de saúde, enquadrando-se justamente no primeiro aspecto do modelo de Walton. O segundo aspecto aborda as condições de segurança, o ambiente físico e psicológico, incluindo a ausência de ameaças à integridade do trabalhador. Observamos que o significativo contingente de 32,65%  dos trabalhadores que participaram da pesquisa, estiveram, por algum período, afastados de suas atividades profissionais, nos últimos doze meses e que era elevado o percentual de  doenças relacionadas ao estresse ocupacional.  
Embora se saiba que entre os trabalhadores da saúde, condições adversas podem provocar danos irreversíveis à vida dos usuários dos serviços, é possível supor que tais condições de trabalho não sejam muito diferentes das de outras categorias profissionais. Tudo indica que isso ocorre primeiramente porque vivemos em uma região onde a oferta de postos de trabalho não é grande. Depois porque, muitas vezes tanto trabalhadores, quando supervisores e gerências intermediárias são pouco qualificados, possuem a autoestima bastante baixa e não são encorajados a mudar a situação.
Como vemos no modelo, aspectos como oportunidade de crescimento e a integração social que o trabalho promove também são temas consideráveis. O equilíbrio entre o trabalho e outros aspectos da vida do trabalhador, como tempo de lazer, por exemplo é também dimensão a ser avaliada, pois o trabalho não pode, por si somente, suprir todos  as dimensões de uma vida que se deseja plena.
A relevância social do trabalho desponta, mesmo que em último lugar, como aspecto a ser considerado na qualidade de vida no trabalho. Certamente nesse quesito, os trabalhadores de saúde, assim como os da educação, por exemplo, saem na frente, pois o seu trabalho lhes confere a possibilidade de sentirem-se úteis à sociedade, o que não é algo desprezível. No entanto, por mais idealista que seja uma pessoa, condições materiais, principalmente numa sociedade consumista como a nossa, não podem ficar de fora, ao se avaliar a qualidade de vida no trabalho.
Enfim, esse é um tema muito abrangente,  que instiga e provoca angústias em profissionais da área de gestão de pessoas, muitos deles idealistas, mas pressionados por resultados, situação corrente no mundo organizacional. Observamos muitas vezes que o trabalho, enquanto realizador da capacidade humana, oportunidade para crescimento e desenvolvimento, integração e relevância social, ainda é, em grande parte das vezes, uma utopia.
* HAIR, Jr, Joseph F..  Fundamentos de Métodos de Pesquisa em Administração. Trad.  Lene Belon Ribeiro. Porto Algre: Bookmanm 2005
** WALTON, Richard E. Quality of Working Life: What is it? Sloan Management Review, 15, 1, pp. 11-21, 1973. 






Um comentário:

  1. Excelente texto, com certeza usarei alguma citação em meu Relatório de Estágio!

    Ao elaborar nosso trabalho ganhamos grandes experiências e aprendizados; um deles foi perceber que, embora sejam oito dimensões, cada uma delas possui o mesmo grau de importância para a QVT.

    Muito grato a você, Professora!

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