Coragem e ousadia, marcas de Almodóvar, aparecem novamente em A Pele que Habito. Trash em sua origem, o diretor amadureceu mantendo suas temáticas preferidas: sexualidade, gênero, relações familiares obsessivas e neuróticas. Agora sem a ostensiva presença das cores fortes, também marca registrada de seus filmes, Pedro Almodóvar nos traz uma história bem mais bizarra do que havia apresentado até agora. Baseou-se em um romance francês para contar a saga de um médico cirurgião-plástico, totalmente desprovido de escrúpulos e obcecado por vingar as mortes da esposa e da filha, ambas em situações violentas.
Sem receio de ser polêmico, nem de criar indisposição com setores mais conservadores da sociedade, aborda com freqüência tabus como incesto, educação religiosa, amores homossexuais. Agora tangencia o universo da ficção científica e das pesquisas médicas, mantendo, como em boa parte de seus outros filmes, a loucura, como marca registrada do personagem principal.
Mas a maior ousadia nesse seu último filme foi, em minha opinião, a de voltar a ser trash, como em sua origem. No filme, aquela pele picareta, totalmente artificial, o espartilho que molda o corpo feminino no curto prazo, os laboratórios e materiais de pesquisa, tão ostensivamente falsos e a equipe médica fajuta que aceita todas as propostas do Dr. Robert sem questionar, não nos deixam esquecer, em momento algum, que estamos assistindo um filme.
Na maior parte das vezes capaz de deixar sua platéia entusiasmada, - Abraços Partidos é uma das exceções -, diante de A Pele Que Habito não há como ficar indiferente. Amamos ou odiamos suas cenas fortes, de muito suspense, a adrenalina a mil. Mesmo que pareça ter feito pouco esforço para isso, o diretor nos envolve plenamente. Esse é Almodóvar.
Como se pudéssemos imaginar que após Dom Quixote, Miguel de Cervantes fosse capaz de escrever algo melhor, esperamos sempre mais daqueles que sabemos gênios. Mas, depois de A Lei do Desejo, Volver e Fale com Ela, era mesmo difícil o diretor se superar, embora nós, seus fieis escudeiros, estejamos sempre esperando por isso, em seus novos lançamentos.
Enfim, mesmo inesperado e surpreendente, A Pele que Habito é um dos seus filmes menores: Almodóvar é melhor quando conta suas próprias histórias.
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Maria Inês, vim aqui te visitar e saio gratificado pela sua sensibilidade e curiosidade e fome de mundo. E num é que você escreve bem e é poeta!
ResponderExcluirE gosta de cinema e gosta de fotografia e gosta de jardinagem e gosta de poesia. Gosta do que vale a pena gosta. E isso é bom.
Um grande abraço
Elson
Oi Elson,
ResponderExcluirVindo de você, sensível, culto e antenado, esse comentário me enche de orgulho e me encoraja a expor mais meus rabiscos. Obrigada.
Maria Inês, boa noite, querida. Vi este filme por outro prisma. O que mais me envolveu e empolgou foi a forma como Almodovar trouxe a violência cotidiana vivida pelas mulheres na sociedade Ocidental encarnada na pele de um homem. A troca de papéis de gênero em um corpo em transmutação de homem para mulher, me pareceu uma estratégia muito interessante e impactante para fazer o expectador, principalmente, o masculino, sair da sua pele e entrar na do outro. Acho que o bizarro e o surreal são formas perfeitas para engendrar esta trama quase educativa proposta por ele. Um abraço, Ana.
ResponderExcluirOi Aninha, obrigada pela visita ao blog e pelo seu comentário tão procedente. Ele, sem dúvida enriquece e complementa meu texto. Quando você diz "trama quase educativa" abriram-me os olhos para essa perspectiva em outros filme do diretor. Muito bom. Abração e apareça sempre.
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