«Quando
for grande, não quero ser médico, engenheiro ou professor.
... Quero brincar de manhã à noite, seja no que
for.
Quando for grande, quero ser um brincador” (Álvaro Magalhães, em
O Brincador, Edições Asa).
Certa vez disse Rubem Alves:
“Todos têm direito, procure um advogado; todos têm avesso, procure um
psicanalista”. Depois de algumas tentativas, ando bem descrente da capacidade desse
profissional de ajudar-me a amenizar meu lado obscuro. Então cunhei uma frase diferente: todos têm direito de esconder o
seu avesso.
Tenho brincado de ser artista e o
material das minhas criações são tecidos, retalhos, rendas, fitas e
que tais. Alguns dizem das minhas
criações: bordados. Sendo filha, neta e
sobrinha de bordadeiras penso que não
posso adotar esse rótulo, porque não
domino as técnicas do bordado. E também porque, bons bordadores
fazem bonito não somente no lado certo,
mas compõem o avesso perfeito.
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Árvore da Saudade - bordado livre |
A arte é um exercício de
libertação. Mostrar as criações é deixar-se enxergar por inteiro, expor-se até
as entranhas. Antes das composições com retalhos, gosto de escrever. Costumo
dizer que quando escrevemos, por exemplo, é como se tirássemos a roupa. E ao publicarmos, ficamos nus em público.
Voltando à psicanálise e aos retalhos, arte é também e, em grande medida, subconsciente. E eu que não dou conta de fazer direito nem o
lado certo, como posso pretender fazer bonito o avesso?
Estou envolvida em um projeto de
descrever memórias de infância por intermédio de linhas e agulhas. Trata-se de
uma tentativa de registrar lembranças por meio do bordado livre, sem desenho
prévio, nem técnica pré-estabelecida. É um trabalho longo.
Sei que não ficará
pronto logo, aliás nem sei se em algum momento ficará plenamente acabado. Memórias e lembranças
assemelham-se a novelos. Quando começam a ser desenrolados, podem criar emaranhados, laçadas e nós difíceis de
serem desatados.
Neste final de semana andei
revestindo com retalhos de rendas, letras que compõem o nome do blog. A
primeira tentativa foi de utilizar cola. Não foi a primeira vez que tentei e
desisti de usar esse material. Definitivamente não me dou bem com colagens. Agulhas
e linhas são minhas companheiras mais dóceis e eu, sendo uma dominadora assumida, acabo
voltando a elas. Com elas brinco melhor.
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O Escritório vai tomando outra cara |
Minha brincadeira ficou uma
lindeza e está enfeitando a grande estante que cobre uma parede inteira do meu
escritório de ex-professora. Que, aos poucos
abre espaço para abrigar as minhas brincadeiras e vai se transformando. Assim como a sua dona, essa
camaleoa mambembe, que mostra
seus escritos, seus retalhos, suas entranhas, seu direito torto e, quando não
consegue esconder, deixa à mostra seu avesso mais que imperfeito.